26 de jan. de 2013

O ilustre refém

Imagem: internet



Andava tranquilamente e velozmente por uma avenida quando foi abordado por três sujeitos armados e teve que frear bruscamente para não esmagá-los com as rodas de seu carro. Além de armados, encapuzados, características das quais a única conclusão que ele poderia tirar sem precipitação é que eram bandidos. Ou delinquentes. Ou os dois ao mesmo tempo. Mas não era tudo a mesma coisa?
- Abre a porra da porta!
Entraram no carro com os revólveres apontados para a cabeça do homem, sentando, os três, no banco de trás.
- Toca pra Liberdade!
O cara acelerou sem palavra, virou umas ruas a mando dos bandidos, atravessou uma via movimentada, depois desceu e subiu uma ladeira, fez uma curva brusca numa estrada deserta e acabaram chegando frente a um casebre verde, mal iluminado pela luz do poste. Um dos homens saiu do carro sem deixar de apontar a arma para o motorista, enquanto outro ficava no banco de trás para dar cobertura. Abriu a porta e ordenou:
- Sai!
- É sequestro?
- Cala a boca e sai do carro!
Entraram no casebre, conduzindo a vítima que ia na frente. Eram amadores, Carlos logo percebeu. Na hora da abordagem mesmo, se quisesse, os teria atropelado, pois estavam mal posicionados e ele vinha em alta velocidade, pois era uma via de trânsito rápido. Mesmo enquanto dirigia, pensou em duas ou três reações possíveis, apenas não postas em prática por conta da sua falta de coragem diante de duas armas apontadas para si.
Os homens tiraram os capuzes, o que acompanhava Carlos o jogou contra a parede e o encarou por alguns minutos, como se tentasse lembrar-se de alguma coisa. Carlos demorou alguns instantes para perceber o que era. Mirou profundamente os olhos do seu agressor até finalmente reconhecer a expressão insegura, a mesma de dez ou doze anos antes.
- Elias?
- O quê?
- Elias Capeta?
- Quê que esse doido tá falando? De onde ele te conhece?
- Cala a boca, Cabrito! – disse Elias. E chegando perto de Carlos:
- De que você tá falando? De onde me conhece? Não me diga que é do ramo também!
- Ah, então é você mesmo! O menino mais atentado da escola, segundo as palavras da diretora Doroteia. Sempre quis as coisas da maneira mais fácil e menos lícita, sem se importar muito com os planos!
- Ih, esse cara tá pirado! – riu o outro comparsa.
Elias estava quieto, aparentemente refletindo:
- Mais fácil e menos lícita... então é você? Carlão! Tu então se deu bem, hein, rapá!
- Peraí, Capeta, então tu conhece mesmo esse cara?
- CDFzinho da escola. Estudou comigo no Barbosão.
- Não, pera, Hidelgundes Barbosa? Então o bacanão aí, que anda de carro importado e as porra tudo, estudou no BARBOSÃO!?
- Sim, claro! E tenho muito orgulho disso!
- Puta que pariu! Pensei que todo mundo daquela escola acabava virando bandido!
- Sempre disse isso ao Elias: não precisa estudar em escola rica pra se dar bem na vida. Tem um bocado de gente da nossa turma que se deu bem na vida.
- A Marcinha virou puta – disse Elias
- Nem por isso é desonesta. – retrucou Carlos - Olhe, a Miranda virou médica e o Vicente virou padre.
- Nem por isso são honestos.
- É verdade, a gente tem que julgar pelo...
- blablablabla apaga esse cara, Capeta. Ele te conhece, não rola mais!
- Porra, Cabrito! A gente precisa de um refém pra sair do distrito. A essa hora os homi já tão na nossa cola e devem ter cercado as saídas tudo. Precisamos de um bacana pra garantia.
- Vocês são uns bostas mesmo, viu!
- Qual é, Carlão? Esqueceu quem manda aqui, porra?
- Que que eu posso fazer? Vocês são tapados mesmo.
- Eu avisei, Capeta...
- Agora não, Cabrito.
- Capeta, Cabrito tá certo. A gente pega outro no caminho...
- Cala a boca, Carreto! Já falei que não vou apagar o Carlão. Ele é minha péda. O bonitão aí também não era flor que se cheire não. Conseguiu o gabarito direitinho no exame final pra mim.
Os dois caíram na gargalhada e Elias Capeta completou:
- Considero esse cara pra caralho!
- Ai que lindo! Se forem se pegar agora, usem camisinha.
- Porra, Cabrito, fila da puta! – explodiu Elias - Perdeu a noção do perigo?
- Então você é que é o líder do bando, Elias? – riu Carlos, com as mãos atadas. – Não é de se admirar tantas falhas. Você nunca foi bom em planejar, só em executar.
- Pois é, Carlão! Você que é o bom das ideias! Dá uma ajuda aí, o que a gente pode fazer?
- Me solta primeiro, é a minha condição.
- Você não tá em condições de pedir condição, playboy...
- Cala a boca, Cabrito! Carreto, solta o Carlão.
- Capeta...
- Solta o cara!
Carreto se dirigiu a Carlos e cortou a fita que lhe atava os punhos. Carlos levantou-se do canto em que estava jogado, sacudiu-se, esticou-se, estalou os dedos e disse:
- Porra, Cabrito! Em que você foi se meter?
- Assalto a banco, cara. Um polícia morreu. Por isso os homi tão doido querendo pegar nóis.
- Mas que merda, hein. Virar bandido?
- E o que que eu ia fazer? Trabalhar? Quem é que ia me dar trabalho?
Carlos caiu na gargalhada e ninguém entendeu por que. Poderia ser uma piada particular dos dois ex-colegas de escola, mas Elias não pareceu entender também e continuou olhando o sorridente com cara de “e aí?”.
- Vamos fazer o seguinte. Vocês vão me dar meu carro...
- Nem fu...
- Cabrito!
- Escutem, porra. Vocês vão me dar a chave do meu carro e vão sair do distrito comigo.
- E pra onde vamos?
- Para a capital. Trabalho lá.
- E nós?
- Vocês agora serão homens honestos, pelo menos em tese.
- Como assim, em tese?
- Bom, é que eu sou deputado. Vocês vão trabalhar no meu gabinete e, de vez em quando, farão uns trabalhinhos pra mim... Tudo dentro da legitimidade...
- Porra, não falei, Cabrito? Carlão é responsa!

(Fernando Lago, 2007)