Eu Diminuto



Eu me chamo Fernando Lago Santos, e não sou só eu que me chamo assim. Os mais sensatos aprendem rapidamente a encurtar, cortando o sobrenome e as partes dispensáveis do primeiro nome. Outros tantos, porém, insistem em dar relevo a essa minha nominação aquática e estática: água parada, quase inofensiva, embora a maior ofensa contra a minha vida tenha partido – pasmem – de um monte de água parada, empoçada numa piscina. Sempre quis ser um desses sujeitos expert em usar a ironia, mas em matéria de ironia eu nunca ganharei do destino e os enredos que ele me arruma. Na grande peça da vida, meus papeis são todos curtos.

Nasci numa cidade pequena, num povoado pequeno, numa casa provavelmente pequena. A parteira era minha bisavó e, pelo que me lembro dela da minha infância, era uma senhora pequena também. Mas não sei muito bem, há gente que defende teorias de que as pessoas mais velhas diminuem consideravelmente o seu tamanho com o passar dos anos... Quem é que vai saber? Apenas sei de uma coisa. Eu é que não me rendo a esse ultraje! Já sou tão diminuto!

O povoado que nasci continua pequeno. Eu, por minha vez, cresci um bocadinho em corpo, um nadinha em pensamento. Mas como sou um sujeito de imaginação forte, fecho os olhos e imagino que sou grande e, num piscar de olhos (fechados!) começo a ver as pessoas como se fossem formiguinhas. Lá de cima (cá) posso ver tudo, mas não enxergo muito bem. Assusto-me com tanta altura e desisto de ser grande. Abro os olhos e vejo que estou de volta, com meu metro e meio de ego e um pouquinho mais de corpo.

Não sou um sujeito intragável. Algumas pessoas que já experimentaram acham que tenho gosto de charuto cubano. Outras afirmam veementemente que tenho gosto de espumante francês. Mas há quem afirme que estou mais para uma cochinha com refrigerante de uva na lanchonete da esquina. Eu, porém, que também já me experimentei, acredito que tenho o maravilhoso e inconfundível gosto de nada. Acredito e afirmaria sob juramento! Já experimentei o nada e quem o experimentou nunca esquece o seu gosto insosso. Na hora certa, o nada pode salvar uma vida. E como é saboroso!

Às vezes me comporto como um menino chato, nerd e cheio de limitações impostas pelos pais. Às vezes me comporto como um velho brincalhão, bonachão e aproveitador da vida. Em suma, alterno entre o papel de menino ultrapassado e o de velho descolado que pensa que ainda é menino. Sinceramente, há terceiros e quartos papéis os quais não busco entender sem o suporte teórico de psicanalistas. Nunca li Freud. Tenho mais o que fazer do que ficar tentando entender a alma humana!

Toco violão sem nunca ter feito curso, sou autodidata. Toco baixo, mas a isso autodidataram-me à força. Atitude injusta e antidemocrática que eu agradeço todos os dias, porque tem me trazido muitas alegrias.
Minhas convicções políticas, religiosas e artísticas não são questionáveis (a mim), porque se fossem questionáveis não seriam convicções. Mas em geral são debatíveis, discordáveis e, dependendo do valor que me oferecerem de propina, modificáveis.

Faço várias piadas por dia. Da maioria eu rio sozinho. Tenho os lábios frouxos e a cara arlequinal. Quando estou de mau humor sorrio assim mesmo. Não por um capricho forçado de livro de auto-ajuda, mas por uma patologia rara que me impede de fazer cara feia por qualquer besteira. Aliás, cara feia não combina comigo. Nasci bonito, a sociedade é que me corrompeu.

No mais sou um sujeito de paz. Consigo facilmente evitar o primeiro gole, bebendo sempre de trás pra frente. Começo pelo último e para chegar ao primeiro vou trafegando por um percurso extremamente longo. Minto, sou abstêmio. Um dos fatos mais vergonhosos de minha vida: não poder usar a embriaguez como desculpa para as minhas desrazões. Não havendo justificativa outra, saio por aí dizendo que sou louco. Em geral as pessoas acreditam sem necessidade de apresentação de laudo médico.

Sigo a vida consciente de minhas limitações físicas, psíquicas e monetárias. As últimas, porém, são o que mais me impede de alçar vôos mais altos ou mergulhar em águas mais profundas. Posso dizer, em parte, que sou um homem realizado. Sonhava em ser conhecido e meus visinhos e colegas da faculdade sempre que me vêem passar apontam dizendo “lá vai Fernando Lago”. Sonhava em ter uma poupança e lá está ela na Caixa Econômica Federal. Vazia, é verdade, mas existente. Sonhava em ter profissão e, nos próximos meses devo defender monografia e conquistar um diploma que obrigará a todo mundo me chamar de profissional, conquanto isso não me dê garantia de sucesso na vida.

Meu maior sonho é viajar por este mundo chamado Brasil. Conhecer todos os lugares bonitos que há em nossa terra, mesmo que já não sejam tão nossos. Enquanto não o posso realizar, faço isso virtualmente. As Tecnologias da Informação empreguiçam-me, mas estimulam a imaginação já tão perigosa.

Enfim, sou isso. Um sujeito dócil quando está calmo, impetuoso quando não se aplaca. Só tenho raiva quando me zango e raramente choro se não lacrimejo. Tenho fome, sono, sede e gazes. A maioria das doenças de que padeço tem cura, exceto as incuráveis. Demorei muitos anos pra descobrir que não sou imortal. Agora que o sei, vivo com medo. Que posso eu fazer? Cresci no meio de seres humanos. Deu no que deu: virei um também.

Fernando Lago, Março de 2011

Um comentário:

  1. Caraca véi... Sou muito sua fã... Mergulho nesses seus textos (acho q eu já disse isso, mas só estou ressaltando). Posso muito bem passar horas te lendo... Ainda bem que existe mais um Fernando incrível nesse mundo mas, desse quero pegar um autógrafo! Você é fascinante!

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Pode se jogar, mas não esqueça a sua bóia, viu?