20 de nov. de 2011

Costura






Eu queria que a mão do amor
Um dia trançasse
Os fios do nosso destino
(Roque Ferreira)


A poesia é
Para nós como uma linha
Coseu minha alma à sua
Como quem costura um vestido
Pra moça donzela bailar

E vai a agulha furando
Os pontos do nosso destino
Tão lentas e tão pacientes
Agulha e linha trabalham
Numa lentidão suportável
Bordando as primeiras letras
Do meu nome e do seu

Poesia de dor da agulha
Trespassando a nossa pele
Poesia de alívio da linha
Unindo minha alma e a sua
Fazendo-nos uma só peça
De tecido colorido

Amanhã tem baile dançante
E desfilaremos, um só
No corpo da bailarina

Novembro de 2011

11 de nov. de 2011

Clara


                                                                                    

                                                                        Para Clara Eah


Sob a luz da lua fugia
Sem medo de se encontrar
No peito a coragem surgia

Clara como a luz do dia

A lua, seu único guia
Na fuga a lhe abençoar
Enquanto a estrada seguia

Clara como a luz do dia
Clara como o sol fulgia
Como o dia, a noite clara
Luz que ele jamais sonhara

No meio da noite sorria
Palavras na mente a bailar
Da boca acordava a poesia

Clara como a luz do dia

Andando ele se perdia
No meio de tudo o que há
Aspirou o ar, nostalgia

Clara como a luz do dia

Mas medo de si não havia
Consigo iria brigar
Confronto que em paz findaria

Clara como a luz do dia
Clara como nada havia
Iluminação mais rara
Luz que ele jamais sonhara

Vencendo a si se depara
E para, para escutar
A voz de doçura tão rara

Numa melodia clara

Ouvido atento, repara
À dona da voz, um olhar
Um riso encantado escancara

Numa melodia rara
Nos seus olhos paixão clara
Clara como a luz do dia
Clara, sua companhia...

Novembro de 2011

7 de nov. de 2011

Resgate



Lila deu um salto tão rápido quanto pôde, reunindo em torno de si todo o ar que conseguiu. Nunca fizera algo assim tão intenso, sentiu o ar lhe faltar nos pulmões, ficou com medo de desmaiar... Desceu muito rápido, cortando o vento frio da noite. Quase não era o suficiente. Ricardo teve sorte.

- Você é maluco? – disse Lila visivelmente irritada, visivelmente amedrontada, com o rosto encostado no do amigo – você não tem nada na cabeça? Está querendo me matar?

A despeito de ter escapado da morte há poucos segundos, Ricardo sorria, olhando os olhos da menina.

- De que você está rindo, seu imbecil!? Você não é nada leve! Quase mata nós dois. Nunca mais faça isso, ouviu?

- Você é humana, Lila. Muito humana... E é tão linda essa mancha vermelha na sua bochecha quando tem medo!

- Maluco!

Ela sentou-se voltada pro lado oposto. Ele encostou-se nela com carinho.

- Nem vem! – disse ela afastando-se.

- Desculpa, Lila!

- Você não tem juízo!

- Eu pensei que talvez conseguisse...

- Besteira! Você tinha razão, Ricardo. Eu não sou humana! Sou qualquer outra coisa, menos humana. Nunca mais tente fazer isso, entendeu? Você não pode voar!

- Você é especial, Lila...

- Sim, porque de alguma maneira inexplicável consigo manipular o ar e a gravidade ao redor de mim...

- Não por isso. Mas principalmente porque tem coragem de fazê-lo.

- Como assim?

- Supõe que todos os seres humanos pudessem...

- Ah, não começa isso de novo, Ricardo!

- Não, escuta. Supõe que todos os humanos, ou pelo menos um grupo significativo deles, tivessem a mesma capacidade que você tem.

- E daí? Todos voariam, visitariam seus amigos, parentes... iriam ao trabalho voando. O céu ia ser a mesma coisa do chão...

- Exatamente. Banalizariam essa coisa de voar... Ia ser tão normal que ninguém ia notar que estava voando... Mas não é bem aí que eu quero chegar.

- E aonde quer chegar?

- Veja bem, mesmo que todos soubessem voar isso não ia garantir que o fariam.

- Por que?

- Aquilo que eu te falei antes... A gente pensa, pensa, pensa... mas tem medo. Eu mesmo tenho medo de muita coisa.

- Pois pra mim é preciso ter muita coragem pra saltar de um prédio velho de cinco andares.

Riram juntos. Ricardo tocou as mãos da menina e começou a brincar com seus dedos.

- São iguais aos meus!

- Os seus são um pouco maiores.

- Não, palhaça. Estou falando que são de carne, osso, pele e tudo o que tem direito.

- E o que você queria encontrar aí?

- Sei lá, penas... – disse o menino rindo.

Ela riu também, e deixou sua cabeça cair no ombro dele, dizendo:

- Essa incerteza sobre quem sou acaba comigo... A moça que ficou comigo na fazenda depois do acidente me chamava de celeste. Ela dizia que eu devia ter vindo do céu.

- Talvez você seja um anjo... o meu anjo da guarda.

- Então eu sou anjo da guarda de meu próprio anjo da guarda...

Dessa vez foi ele que levou o rosto ao encontro do dela, com o biquinho adolescente pronto para a carícia. Mas recuou ao sentir os braços dela lhe apertando bem as costas.

- Pra garantir que você não vai pular de novo – disse ela rindo, antes de consumarem o beijo.

Setembro de 2011

1 de nov. de 2011

Di Visão

Imagem: Foto Aérea do Lago Verde Amarelo, Nova Zelândia



É isto. Mais um pouco aos meus vinte e poucos. Soma anual que sempre vem acompanhada – não sei por que – de uma intensa reflexão quase depressiva sobre os insucessos dos anos que se passaram. E por enquanto permanece o valor da frase da música do Renato Russo: “desses vinte [e três] anos, nenhum foi feito pra mim”...

Sou pessimista durante o ano todo, diariamente, quase que vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana (e hiperbólico na mesma frequência). Mas nessa época do ano a coisa parece que vem de uma maneira mais descarada, mais amostrada, mais zombeteiramente esclarecida. Meu pessimismo me conhece e sabe todos os meus podres.

E sempre vem. Às vezes exibicionista, me obriga a escrevê-lo em texto ou poesia e publicá-lo, ou dizê-lo aos quatro cantos dos ouvidos do mundo. Às vezes se esconde atrás da minha orelha em forma de pulga ou debaixo da minha língua em forma de muxoxos repetitivos e imediatos que expressam, em língua própria, aquilo que os textos expressariam. 

Um dia, nesta mesma data, numa ocasião em que o meu pessimismo resolveu não se esconder, disse em letras computadóricas que me recusava a puxar o saldo das mais de duas décadas de vida, com medo dos indícios de retiradas sem depósito que provavelmente apareceriam. Mas menti. Menti porque o saldo está sempre piscando em vermelho na frente dos meus olhos, mesmo que eu não o publique. Sigilo bancário, beibe! Direito meu, enquanto cidadão honrado e honesto.

Mas nem só de águas poluídas é feito esse Lago. Do lado de cá da margem há uma vila ribeirinha que abriga pescadoras e pescadores de afeto, que muito merecem meu sorriso, o qual eu não nego, mesmo se a coisa estiver preta (se me perdoam o uso dessa expressão racista que ainda não desaprendi). Mas são estes que me fazem ser, por momentos, até otimista, vejam só. E me apresentam sonhos e me acordam dos pesadelos e me dizem palavras bonitas, ou feias que se tornam belas (iscas inofensivas) na ponta dos seus anzóis. Nestes momentos em que me encontro tão pessimista, nada como lembrar destes aventureiros que juram que conseguem fisgar alguma coisa de bom em mim. E mantém-se perto, mesmo sem eu pedir...

Pois sou isso. Um Lago dividido em margens antagônicas que se chocam numa pororoca sem ondas. Sou um turbilhão pacífico de irritação. Um rumor de silêncios, o paradoxo mais racional que a História não conheceu. Enfim, sou Fernando e sou Lago, é isto. E lá se vão vinte e três anos que essa explicação tem bastado.

Fernando Lago – 01 de Novembro de 2011