Casal Dançando, Anita Malfatti, 1910-1920, acervo IEB-USP (do blog Borboleta Pequenina)
Me pegou de surpresa
aquela menina de riso aberto e pele amorenada. O convite vindo junto do sorriso
parecia mais uma provocação, um desafio, mais um “duvido que resista” do que um
convite.
Não estava acostumado
com aquilo. Interiorano. Pobre de leituras, de vivências, criado em quintais.
Cheio de valores familiares. Habituado a ser o convidador. Expert em tentar
dobrar a timidez das meninas do interior. Mesmo assim, meus convites eram
sempre simplórios, sem muita insistência e quando eu dizia “quer dançar” e elas
diziam “sim”, tudo era apenas dança.
Aquela menina não me
convidou para dançar. Convidou para sambar num chão de brasas. Para um frevo
fervoroso em larva ardente. Chamou-me a um tango numa fogueira de são João. Ela
ousou, num sorriso, tudo o que eu não tinha ousado a minha vida toda. Antes que
eu respondesse, sua mão já me obrigava a levantar. Não por puxões agressivos,
mas por uma leveza de toque entre o meu braço e o dela.
Tomei de um só trago o
restante da bebida, pousando no balcão o copo vazio. E deixei-me guiar pela sua
cintura, cingida pelas minhas mãos provincianas.
Aquela mulher não
dançava. Fazia poesia com os quadris. Cada movimento no ritmo da banda era um
verso, que rimava com minhas mãos. E quando seu corpo perfeito juntou-se às
imperfeições do meu, viramos uma poesia completa, versos alexandrinos.
Encostou os lábios nos
meus ouvidos e disse baixinho:
- Não tenha medo de
mim.
- Eu não estou com
medo, minha linda.
- Então me aperta mais
forte, mais forte...
Tão fácil ser obediente
a este tipo de ditadura, tão doce. Bailei com ela. Parecíamos um. Por um
instante achei que todos olhavam pra nós. Terna ilusão. Cada casal naquele
salão pertencia ao seu próprio mundo. Mas o meu era o melhor de todos.
Pulando as previsíveis
etapas da paradinha pro descanso, das falas ao pé do ouvido regadas a vinho na
mesa, das mãos passeando no corpo, da coreografia das línguas, fomos parar num
minúsculo apartamento, submundo dos meus planos secretos. Não me envergonhei.
Ela era estudante, como eu, devia ter um igual.
Enquanto acariciava o seu corpo, uma Vênus da capital, perguntei meio que sem pensar.
- Nos veremos de novo?
Ela libertou-se dos
meus braços, com um pouco de dificuldade, pegou um papel que tinha no
criado-mudo e escreveu um número de telefone. Fiz o mesmo, entregando a ela o
número de três celulares que eu tinha. Depois, se jogou em mim de novo,
convidando para uma contradança.
Me senti meio bobo em
não esperar mais. No fim de semana seguinte, telefonei pro número que ela me
dera, a fim de, pelo menos, ouvir aquela voz que embalara os meus sonhos.
- Não tem ninguém com
esse nome aqui, desculpa.
- Tem certeza?
- Claro, conheço todos
os funcionários daqui.
Por que raios ela me
dera o número de uma loja de cosméticos até hoje não sei. Mas sei por que lhe
dei os meus três números, todos corretos. E até hoje, quando um deles toca em
horário nobre, espero ouvi-la dizer... “Quer dançar?”
Fernando Lago – 22 de Setembro de 2011
Ô lindeza de texto! Amei de um tanto..
ResponderExcluirBeijo.