30 de abr. de 2010
Um Momento de Silêncio
29 de abr. de 2010
Se você fosse música
Se você fosse música
Você ri e muda o mundo
Mudo eu fico
Penso a fundo
E afundo (sem pensar) em seu sorriso
Seu olhar logo enlouquece
O meu olhar
Que agradece
A loucura de te amar
Seu andar que deixa louco
O caboclo
Que se atreve
A acompanhar seu caminhar
Sua boca de cereja
Que beleza
Bela, estela
Estrela d’alva a brilhar
Você é toda bonita
Deixa qualquer perna bamba
Moça de beleza infinita
Se você fosse música seria samba
Ritmada na batida abatida
A batida se alegra quando passa
Sua graça me engraça
E me passa o calor de eterno amor
E meus olhos vão seguindo
E sambando com seu samba
Seu olhar me deixa bamba
O seu samba me assombra
Amoroso é seu jeito de assombrar
Santos, Fernando Lago. 2008
28 de abr. de 2010
Só uma questão de ordem, excelência!
Errata
26 de abr. de 2010
Breves Palavras...
- Nem tudo que é novo é revolucionário
- Nem tudo que ataca é violento
- Nem tudo que ajuda é bondade
- Nem tudo que brilha é ouro
- Nem tudo que rima é poesia
- Nem tudo o que é belo é filosofia
22 de abr. de 2010
O Que será SERA?
O que será SERA[1]
Ou que SERA será?
Depois do longo processo a que se é submetido hoje em dia para ingressar-se numa universidade pública, estava enfim aprovado no vestibular, matriculado na UNEB e pronto para iniciar o curso. Meus pais e amigos mais vividos aconselharam-me a raspar a cabeça. Assustei-me.
- Pra quê?
- Por causa do trote...
Não raspei a cabeça. Nem estava com medo, na verdade... Mas depois do que disseram fiquei até meio apreensivo.
Não houve trote violento. Foi a primeira coisa que a diretora buscou deixar claro durante a saudação dos calouros. A então gestão do Diretório Central dos Estudantes tinha preparado uma Semana de Recepção Acadêmica - SERA (de três dias, mas perdoa-se essa falha na contagem, semanas de três dias são muito comuns no âmbito acadêmico). Atividades que visavam apresentar a Universidade ao calouro e algumas brincadeirinhas “leves” com estes. Como dizem por aí, a piada não tem a menor graça quando o interessado não ri.
Neste semestre de 2010.1 devo reconhecer que o SERA se superou. Não é nenhuma novidade isso; já tenho dito em vários cantos diferentes da Universidade e podem confirmar com alguns professores, que com certeza concordarão comigo. E disse isso também muitas vezes aos próprios meninos e meninas que compunham esta comissão, antes mesmo de o evento acontecer – tive a oportunidade de dar uma conferida nos folders previamente. Moral, não é?
As atividades propostas permitiram a interação entre os novos ingressos e as diversas instâncias da universidade; e a compreensão de universidade como um espaço educativo que transcende à sala de aula, por meio da pesquisa e da extensão. Um meio de nós – estudantes universitários financiados pelo povo (e não pelo governo, como se pensa), retribuirmos este financiamento à sociedade. Buscou-se, assim, mostrar-lhes o significado amplo de estar numa universidade pública e a diferença existente entre Universidade e Faculdade. Uma Instituição de Ensino Superior só é reconhecida como universidade se promover, juntamente com as atividades de ensino, atividades de pesquisa e extensão. É o que se chama de tripé da universidade: Ensino, Pesquisa e Extensão. Três elementos indissociáveis, que mesmo na universidade pública ainda enfrentam opiniões contraditórias[2].
Para muitos, já iniciados nestes assuntos acadêmicos, não parecerá novidade trazer estas informações na entrada dos educandos à universidade. Contudo, a nossa cidade é essencialmente comercial. A maioria dos estudantes que saem do Ensino Médio chega à Universidade sem saber nada sobre ela, e geralmente vão ter acesso a essas informações no meio do curso, sendo pegos por algumas surpresas... Por isso é importante trazer, além das brincadeiras, essa familiarização entre estudante e universidade desde o primeiro semestre.
Além da palestra sobre a historicidade e a natureza da Universidade, com duas grandes professoras do nosso departamento – das quais eu posso puxar o saco sem medo, porque merecem – Prof. Msc Maria Mavanier A. Siquara e Prof. Drª Maria Nalva R. Araújo; das conversas relacionadas à história e ao funcionamento atual do Movimento Estudantil; dos bate-papo com os técnicos e funcionários da Universidade sobre os serviços de biblioteca, laboratórios, etc. houve também apresentação de atividades com diversos grupos culturais da nossa cidade, entre eles, karatê, capoeira, movimentos de Hip Hop, teatro, etc.
A maioria dos eventos universitários sempre tem um momento para apresentações e atividades culturais. No entanto, na maioria das vezes os artistas chegam, se apresentam e vão embora. Desta vez buscou-se fazer diferente. Além das apresentações com os grupos culturais houve também momentos de “Dedim de prosa” com os atores[3] dos grupos, que explicavam o significado da sua atividade para a comunidade e para eles próprios. Esta aproximação da Universidade com a Comunidade é muito importante. Como nos disse a Profª Nalva, se é ali um espaço financiado pelo povo, e o povo não entra lá devido às imensas dificuldades impostas pelos processos, nós que conseguimos entrar temos que promover a participação do povo através das atividades de extensão, em parceria com estes movimentos sociais.
Assim – para concluir, que já me estendi muito além da conta – volto a dizer o que já se repetiu muito aos diversos cantos da universidade por mim, e por muitos amigos, professores e estudantes: esses meninos e meninas do SERA estão de parabéns pela realização deste evento de grande importância científico-cultural e uma bela e inteligente alternativa aos temidos trotes universitários que enchem as páginas do jornal. A proporção deste evento deve ser ainda maior. Por ora a realização foi sempre dos estudantes, com apoio da direção do departamento, do Núcleo de Pesquisa e Extensão do campus X e de alguns colegiados. No entanto, acredito que este evento pode ser apoiado pela Universidade e, inclusive, por ela financiado. Uma atividade como esta não apenas contribui para a abolição dos trotes na Universidade como também é uma forma de promover a integração dos calouros com a Academia e com os movimentos culturais da região, muito pouco divulgados. Se reconhecemos que a formação humana provocada[4] na universidade se estende para outros espaços e neles se complementa é preciso promover a participação destes estudantes (futuros educadores/cientistas/pesquisadores) nestes tais espaços.
Por fim, podemos citar como exemplo a apresentação da peça teatral de Silvestre – um monólogo que mexeu com muita gente – e do “Dedim de prosa” que provocou-nos a preparar um projeto de uma oficina de teatro, numa parceria entre o ator/diretor e o Movimento Estudantil.
Aguardem, vocês irão ouvir falar...
[1] Não sou da gestão do DCE. Isso não é campanha política. É só confirmação escrita e pública do que já falei e repeti oralmente. Mas sim, admiro este povo e me considero parte do Movimento Estudantil, que vai muito além da Gestão do DCE. No entanto, todas as afirmações são de minha inteira irresposabilidade.
[2] Há aqueles que dão mais importância a um ou a outro, mas são três elementos indispensáveis e indissociáveis para a formação.
[3] Atores aqui não no sentido teatral, mas no sentido de alguém que age.
[4] O papel da universidade é, muito além de ensinar, provocar o estudante a buscar também outras fontes de conhecimento.
Blog de Ouro
18 de abr. de 2010
Crime Organizado (Parte II)
- Com licença, pode me dar uma informação?
- Sim, senhor! O que é?
- Que bairro é esse aqui?
- Aqui? É o Centro da cidade ainda.
- Tem certeza?
- Sim. Daqui a
- Obrigado, agora passa a grana aí! Isso é um assalto!
- Como assim?
- Ah, francamente! As pessoas não sabem mais o que é um assalto? Esse mundo tá perdido!
- Não, eu sei o que é um assalto, mas, pô, muita sacanagem de sua parte, né! Te ajudei com o nome da rua e tudo...
- Sabe o que é, é que ali atrás eu tive um pequeno probleminha com essa questão de bairros e... Ah, por falar nisso... Peraí. Xô ver... Segura minha arma um instantinho aqui, por favor. ... Pronto! Confere aí.
- O que é isso?
- Minha carteirinha da ANABA.
- Ah, saquei...
- Agora, me devolve a arma. E vai passando a grana aí!
- Calma lá... Deixa eu pegar um negócio aqui...
- Ei, tá pegando o que aí?
- Minha carteirinha de estudante.
- Como assim?
- Tenho direito a meio-assalto.
- Puta que pariu, dessa eu não sabia!
- Pois é...
- Fazer o que? Chegar em casa vazio é que eu não posso... Quanto você tem aí?
- Cinquenta pau.
- Vinte e cinco meu, vinte e cinco seu!
- Tem trocado?
- Como é que é?
- Tá graúdo aqui.
- Como que eu vou ter trocado? Não faturei nada ainda hoje! Vou te contar, viu! Vocês com essas manias de democratização ferraram com a nossa vida!
- É o sistema, né...
- Vamos ver com aquele vendedor de sorvetes que tá passando ali.
- É, talvez dê pra você levar uns trocados dele também.
- Dá nada. Quero ver só se ele troca. A ANABA isentou os trabalhadores autônomos na nova resolução.
- Que merda, hein! Ó o sorveteiro aí!
- O senhor troca cinquentinha aí?
- Serve tudo de cinco, meu filho?
- Ótimo! Dá o dinheiro pra ele, playboy. - Valeu, tiozinho!
- De nada, mas posso perguntar o que vocês dois estão arrumando?
- Né nada não, tiozinho! É só um assalto, coisa corriqueira.
- Acho bom você procurar outra profissão...
- Tô pensando em vender sorvetes... Mas acho muito perigoso.
- Tchau pra vocês! – Olha o sorveeeeete!
- Pronto, playboy! O tiozinho trocou. Agora passa meus vinte e cinco pra cá.
- Está bem.
- Valeu! A gente se vê!
- Calma aí, bicho!
- Que foi?
- Além de estudante eu sou também fiscal filiado à ANABA. Segundo seu número de registro aqui vence hoje seu prazo de pagamento da parcela da associação.
- Merda! Me esqueci... vamos deixar isso pra mais tarde, hein? Fazer aquela vista grossa... Afinal de contas estamos no Brasil.
- Olha, eu geralmente não faço isso, mas vou deixar passar. Você só joga uns cinqüenta conto na minha mão que eu finjo que nem te vi em ação na rua...
- Cinqüenta conto? Mas isso é suborno!
- Porque que você acha que os fiscais são filiados à ANABA?
- Só tenho vinte e cinco...
- Serve.
- Que merda! Essa burocracia toda dá vontade de matar um!
- Faz isso não... Sua carteirinha é classe 2, só tem autorização para assaltar... Pra matar não!
- AaAaAaAaAaAaAaAaAaAaAah!!!!!
Fernando Lago – 18 de Abril de 2010
13 de abr. de 2010
Crime Organizado
- É um assalto!
- Como assim?
- Assalto, assalto, ué! Passa a grana, fica quietinho, não olha pra mim... essas coisas, tá ligado?
- Eu sei o que é um assalto, mas francamente! São nove da manhã! Isso não é hora de assaltar!
- Como não é hora? De que época você é, meu filho? Assalto agora é qualquer hora...
- Tá, nisso o senhor tem razão... Mas e essa arma ai?
- Que tem minha garrucha?
- Deixa eu ver ela aí...
- Tó! Que é agora?
- Não acha que ela está meio velha não?
- Que isso, rapá? Tá maluco? Tu me respeite, que eu estou no ramo há mais de dez anos; não admito esse tipo de depreciação!
- Me respeite o senhor! Se o senhor vai me assaltar, que seja pelo menos com uma arma decente!
- Olha, você já me cansou! Dá minha arma pra cá!
- Tamo, essa merda!
- Agora vai passando logo a grana aí, antes que eu te pipoque!
- Epa, calma lá! Não é só assim não! Que isso? Não existem mais leis neste país?
- Cara, tu tá pedindo!
- Tô pedindo mesmo! Quero ver o registro desta arma aí!
- O registro?
- Sim! E o seu registro também! Quero saber se você é associado da ANABA, Associação Nacional dos Assaltantes e Bandidos Afins.
- Ih, caramba, a carteirinha da ANABA eu esqueci
- Serve, deixa eu ver aí...
- Tá tudo legalizado, em dia, tem nada vencido.
- Hum...
- Tudo beleza? Passa a grana agora?
- Hum... Epa! Calma aí, calma aí, calma aí...
- Que foi?
- Segundo está escrito aqui sua área de atuação vai do Centro até Bela Vista...
- E daí? Aqui ainda é Centro!
- Aí é que o senhor se engana! O Centro acaba logo ali, na Rua Medeiros. Aqui já é Santa Misericórdia...
- Mas que merda, eu sempre confundo...
- Azar, hein! Desculpe, foi uma honra!
- Peraí, véi, vamo negociar! São apenas cem metros até a Medeiros... Você bem que poderia dar uns dez passinhos grandes para trás, hein...
- Desculpe, meu caro bandido, dura lex sed lex!
- Que merda! Eu odeio burocracia! Odeio, odeio!
- Eu também, meu caro, eu também... até mais ver!
Fernando Lago – Abril de 2010
10 de abr. de 2010
Reencontro (Malu)
Foi o caso que tive de voltar ao Rio para resolver certo negócio envolvendo um sobrinho meu muito querido, cujo pai – meu irmão – falecera com a confiança de que eu o trataria como ao meu próprio filho.
Sempre achei problemático esse negócio de um moribundo pedir a alguém que trate um ente como a seu próprio filho. Principalmente eu, que depois de tantas tentativas de noivar-me com moças feias, beiro os setenta e cinco anos sem nenhum casamento no currículo e nenhum filho para continuar a minha linhagem. A não ser, é claro, que alguma daquelas honradas moças, companhia perfeita para homens como eu, tenha concebido algum feto desse nobre cliente sem que ele próprio soubesse. Mas duvido muito!
Quanto ao meu sobrinho, era um bom moço! Tinha uma grande consideração por ele. Mas não podia dizer que o considerava como filho, porque nada entendia sobre paternidade. Mas era digno de consideração e, por um afeto imenso, eu fazia muito para ajudá-lo a crescer na vida. Ainda mais quando a mãe dele invocava o finado para, discretamente, evidenciar aos meus olhos a minha obrigação selada diante do leito de morte de seu marido. Obviamente que no momento em que ele dizia aquilo, já indo em direção à luz, eu não disse sim, nem não. Mas calei-me. E o adágio popular diz que “quem cala consente”. O fardo ficou-me.
É de se presumir, quando digo que tive que voltar ao Rio, que eu não esteja mais morando no Rio. Realmente não estou. Voltei a viver na Bahia quando completei sessenta e cinco anos e a cidade grande me encheu, com todos os seus monumentos, edifícios, tecnologias, carros e, especialmente, seus habitantes. Mudei-me para uma minúscula cidade no interior. Casas pequenas, pessoas simples, conversas no fim da tarde, andanças possíveis, uma cidade perfeita para um velho viver o que lhe resta e, enfim, morrer.
A moça que cuidava de minhas coisas – remédios, receitas, documentos de aposentadoria, coisas de velho – disse-me um dia, quando cheguei em casa à tarde, que um sobrinho meu havia ligado pela manhã e explicado que necessitava de minha influência na esfera carioca para uma questão de negócios. Retornei imediatamente a ligação e o rapaz explicou-me a situação, coisas da profissão de advogado que eu não saberia explicar, já que nem mesmo pude entender direito. Os anos levaram de mim grande parte da minha inteligência. Ainda assim, dispus-me a ajudá-lo apresentando as ligações necessárias. Encontrei dificuldade, obviamente. Ora, havia dez anos que eu abandoara a cidade pra vir pro interior Baiano. Renascer agora e conclamar algumas das minhas relações antigas, algumas delas datadas ainda da época dos telégrafos, ia ser no mínimo exaustivo. Ainda mais para um setentão como eu. Mas o fiz pelo meu sobrinho. Demorei-me lá cerca de uma semana e meia.
Negócio resolvido, decidi, antes de voltar à pacata vida do interior baiano, dar uma volta pela cidade maravilhosa – talvez a última de minha vida. Dei uma de turista. Passei pelo Cristo, fui à lapa, visitei alguns museus e, quando caminhava pelo calçadão, faltou-me o ar e, sem alternativa, sentei arfando no banco, onde já estava então sentada uma senhora bastante elegante.
- Desculpa – falei – é que eu me senti um pouco mal! Essas peripécias são demais para um velho de setenta e cinco.
- O senhor está muito bem para a sua idade – sorriu. E era preciso ter memória muito fraca e não ter coração para esquecer um sorriso daqueles.
- Malu?
- Como disse?
- A senhora. É a Malu, não é?
- Há mais de quarenta anos que não me chamam assim...
- É de se imaginar. Era mais um nome de guerra...
- Não, senhor, um apelido como qualquer outro!
- Você também está bem para a sua idade. Se bem que eu nunca soube a sua idade realmente.
- Quem é o senhor para tomar tais liberdades comigo? Se me conhece por causa de meu remoto passado, saiba que tenho vida nova agora e que não aceito propostas indecentes.
- Então não se lembra mesmo de mim?
- Ora, meu senhor, não é evidente que não?
- Sou eu, o Arnaldo, ex-funcionário dos telégrafos. Que quase foi seu noivo...
O gesto que ela fez naquela hora eu nunca mais vou esquecer. Baixou as pálpebras por um momento, mexeu os lábios lentamente e abriu os olhos num súbito quase agressivo, como se estivesse irritada com a própria falta.
- Ora, o senhor! Quase que um grande amor na minha vida!
O “quase” foi de uma ironia tremenda. Mas algumas pessoas, como eu, ficam imunes ao sarcasmo depois dos setenta anos.
- Tenho um débito de mais de quarenta anos com você – completou.
- Por quê?
- Ora, porque te deixei daquele jeito, sem considerar a imensa dedicação que me tinha. Cai nos braços de outro e...
- Perfeito! Sinto-me mais tranqüilo. Percebo que você ainda lembra...
- Mas é claro que lembro! Apenas não te reconheci; isso não é pecado.
- É verdade. São quarenta e dois anos de rugas a mais...
- Eu, sinceramente, não sei o que Deus queria ao fazer-nos encontrarmos justo aqui e agora. Mais lhe peço perdão por tudo que te fiz passar naquela época.
- Não falemos dessas coisas! Quer tomar algo comigo?
- Certo. Vamos àquele quiosque.
Sentamos num pequeno quiosque onde se lia: Margarida’s Space. Ri discretamente do nome. Ela percebeu o embuste e riu também acrescentando:
- As coincidências da vida são tremendas...
Confirmei com a cabeça e ela novamente sorriu. Mas dessa vez não deu a explicação sobre o gesto. Acomodou-se na cadeira, chamou o garçom, pediu o que queria, não me lembro se foi um conhaque ou a tradicional cerveja. Tem de se perdoar a falta de memória de um septuagenário, nome que, aliás, nunca pensei que fosse usar referindo-me a mim mesmo. Parece que quando a gente fica velho se desliga dos detalhes. Na minha não-velhice sempre fui ligado a essas pequenas coisas. Uns trinta ou quarenta anos atrás eu diria tudo o que Malu fez naquele encontro. Se me olhara com estranheza, se se sentara com cuidado, se tinha nojo da cadeira... Coisas que ninguém se importa.
Pedi algo também – o mesmo que ela, por isso é vão perguntar o que era. Não me surpreenderia muito se de repente aparecesse ali a velha Margarida e nos revelasse que deixara o negócio de bordel para investir em bares de praia. Mas isso era humanamente impossível. Já era muito velha na ultima vez que a vi. E fazia bem já uns vinte e cinco anos, se não fosse mais. Na verdade, depois que Malu foi embora, desgostei do lugar. Tomei uma raiva tremenda daquela casa que não conseguia mais sequer me excitar naquele ambiente. Fiz igual ao Tião Peixeira e comecei a freqüentar lugares mais baratos. Voltei lá uma ou outra vez depois que subi de posto, mas nunca me tornou a assiduidade de antes.
- Casou? – perguntou Malu
- Não. Fiquei na mesma história...
- Não achou uma outra p... que lhe desse vontade de tirar da vida?
Agora sim parecia a minha Malu, aquela que eu conhecera na casa de Margarida da Silva. Toda aquela elegância moral não tinha nada a ver com ela. Conservava sua beleza, é certo. Devia ter agora uns sessenta anos, mas trazia na sua velhice uma alegria pândega das velhas senhoras cheias de vida. O tempo fez bem pra ela.
- Não que valesse a pena.
- Confesso ter pensado que já estivesse morto.
- De certa forma estou...
- Mas que isso!
- Malu...
- Por favor! Não me chame assim...
- Como chamo? Madame Maria Luisa?
- Luisa. É como me chamam as amigas...
Sorri. E ocorreu-me perguntar o que acontecera depois daquele dia em que ela sumiu. Seu corpo negro remexeu-se na cadeira do quiosque. Ela torceu um pouco o nariz e disse:
- Me decepcionei um pouco. Depois um pouco mais e ainda muitas vezes na vida! No pouco tempo que me resta na terra é provável que ainda me decepcione mais... Mas não quero falar nessas coisas...
- Você decepcionou-se? Mas parece tão melhor? Não creio que tenha tornado a ser quenga!
Um jovem casal, provavelmente namorados, que tomavam uma daquelas bebidas modernas que servem muito nas praias de hoje em dia, olhou-nos com estranheza. A cena era realmente exótica. Dois velhos conversando sobre o sombrio passado um do outro num mundo em que não lhes tem mais lugar algum.
- Não, Arnaldo – disse Luisa – não voltei à vida. Por uns momentos fiz coisas humilhantes na Europa, depois que o meu amásio me abandonou para voltar ao Brasil. Disse que o País precisava dele. Obviamente que de mim, negra e prostituta, o país não precisava. Ninguém precisava. Acabei ficando nas ruas de Paris. Acredite, meu nobre cavalheiro, miséria é miséria, mesmo na mais linda das cidades. Até cheguei a procurar os prostíbulos de lá, mas não fui aceita.
Fiquei pensando que talvez Maria Luisa não vivesse tudo isso se tivesse ficado comigo. Ou talvez vivesse pior. Talvez voltasse à casa de Dona Margarida em dois anos, dois meses ou dois dias. Não dá pra saber. Fiquei tentando construir na minha cabeça a trajetória de Malu se fosse minha esposa. Enquanto ela ia contando a real, a que vivera, a que sofrera.
- E como chegou a esse status em que te vejo hoje?
- Casei com um político na Itália... Faleceu aqui no Brasil faz dois anos.
- Não compreendo.
- O que não compreende?
- Esse seu magnetismo com as pessoas ligadas à política.
- Acho que na vida passada eu fui Cleópatra...
- Quem sabe... Mas Cleópatra não era negra, era egípcia.
- É tudo África!
Não tive remédio senão rir. Ela sempre fora brincalhona e astuciosa. Não acredito que alguma vez na vida pudesse ter se interessado por mim. Sou um sujeito muito sem graça – agora na velhice, ainda mais. Ela, uma mulher negra e que foi prostituta. Uma história que não me atrevo a contar totalmente.
A vida vive nos pregando peças. Creio que me colocou diante de Maria Luisa para que pudéssemos acertar as contas. Agora estávamos quites. Não porque ela tenha me pago alguma coisa, mas porque eu, homem fraco e ora acabado, resolvi perdoar toda a dívida.
- Para onde vai agora?
- Vou voltar pro interior da Bahia. Quer vir comigo? É um bom lugar pra morrer.
- Não, obrigado. Não pretendo morrer ainda logo. Tenho que ter alguém que ponha flores no meu túmulo e no do meu marido, que apesar de italiano enterrou-se aqui no Rio.
- Se quiseres eu ponho...
E rimos, ambos velhos, com a ausência de alguns dentes, talvez. Mas talvez com a maior presença de espírito de toda nossa vida.
Fernando Lago Santos – Novembro de 2009
Esse conto é uma continuação de O Pé de Meia
8 de abr. de 2010
DDD - Doideiras Diretas à Distância: Conexão Rio-Teixeira
Tammy: | iai comu tatu? | |
F e r n a n d o: | tatu tá bem e eu também |
|
Tammy: | tobemtb |
|
F e r n a n d o: | que legal! |
|
Tammy: | fasohfehdfoiafwugqgivfuyroief |
|
F e r n a n d o: | Quê? |
|
Tammy: | jshfdiuwarhdwqodiqrfdjiedfjioe ?? |
|
Tammy: | O que você acha disso ? |
|
F e r n a n d o: | Depende do ponto de vista |
|
Tammy: | Totalmente !! |
|
Tammy: | Pelo menos eu acho viável |
|
F e r n a n d o: | tenho minhas dúvidas... |
|
F e r n a n d o: | o cara chega e kasldlalsjdkuejlaskdlasdoekasjd |
|
Tammy: | Ah, mas também você pode uhsdkajdhehjuifjekl e tudo vai ficar bem, só não pode deixar de lado aquele olhar atento |
|
F e r n a n d o: | sei não... |
|
F e r n a n d o: | aquele olhar às vezes parece lçksodpaçlskdajaeoas |
|
F e r n a n d o: | não posso tirar conclusões precipitadas a partir de um huhuhuhgafatare[ |
|
Tammy: | Com certeza |
|
Tammy: | Vida de sjhdslkfjdlszkçfjcslkfj é sempre ofhoigjoirgjjiorgjrg, ne ? |
|
F e r n a n d o: | É... |
|
F e r n a n d o: | vou te confessaràs vezes dá vontade de se render a hopasdlçasdjahdslcc |
|
F e r n a n d o: | mas eu me acho muito gyugsfatrsdfa |
|
Tammy: | uiashfuafhejklfsf |
|
F e r n a n d o: | vou contar sim |
|
Tammy: | Já é leek |
|
2 de abr. de 2010
O Pé de Meia (Malu)
Maria Luisa visitou-me ainda uma última vez naquele ano de 1965, antes de partir para a Europa no navio inglês do senhor-mister-captain Nick Jones. Explicou-me que sentia muito deixar a vida que levava por outra ajuda que não fosse a minha e por outro motivo que não fosse casar-se comigo; mas que não podia esperar a vida inteira por mim e por meu pé de meia. Aquiesci com um balançar de cabeça, mas sem palavras, porque tinha medo delas em certas ocasiões. Muitas coisas perdi nesta vida por não ter governado palavras que insistem em sair do coração e saltar gritantes boca afora. Coisas boas e ruins, esclareço.
- Diz alguma coisa, por amor de Deus!
Naquela época eu tinha uns trinta e três anos. A idade de Cristo, brincavam uns pândegos que comigo andavam. Mas todos concordavam que a idade e a barba, ainda preta naquela época, eram as únicas coisas que eu tinha em comum com o Galileu. Maria Luisa tinha cerca de dezenove ou dezoito anos; nunca se sabe ao certo a idade dessas moças. Nos conhecêramos havia pouco mais de dois anos, quando cheguei no Rio de Janeiro, ainda na época do Jango. A casa em que a encontrei, aos cuidados da senhora Margarida da Silva, me tinha sido indicada como a melhor de todo o Rio. A mais limpa, mais chique, com mulheres “de classe”. Conquanto meu poder monetário não bastasse para tanto, quis fazer vezes de fidalgo do Século XX, freqüentando esta respeitável casa de mulheres belas e brancas.
Só conheci Malu na terceira vez em que lá fui, porque a moça com quem costumava me deitar estava indisposta naquela noite.
- Tem essa aí – disse Margarida, referindo-se à moça – é escurinha, mas faz bem o trabalho.
A indisposição da loira era nada menos do que uma gravidez que lhe fez perder o posto. Passei a freqüentar assiduamente o quarto de Malu. Ao cabo de uma semana já estávamos amigos.
Obviamente que essas visitas tão freqüentes, causaram no meu salário de funcionário dos telégrafos um enorme rombo. Com alguns meses de exclusividade Malu arrancou de mim muito dinheiro e, principalmente, muita história. Contei-lhe naquela cama de bordel toda a história da minha vida, desde a minha infância na roça até o meu quase noivado com a filha feia do prefeito de Feira Livre, de onde tive de sair corrido por contrariar a moça e o seu poderoso pai.
De lá até o Rio, caminho que durou alguns anos, conheci muitas moças; poucas sérias. Estive de namoro com uma adolescente virgem no Vale do Camará, quase perto daqui. Mas, como em geral acontece, os pais dela não a deixaram casar com um homem como eu. Não pela idade em si, mas pelo fato de esse homem não ter dinheiro bastante para dar àquela moça uma vida igual à que ela tinha na casa dos pais. Ademais, sérias brigas políticas obrigaram-me a deixar o Vale.
Arrumei um emprego no Rio de Janeiro como funcionário dos Telégrafos, onde conheci Tião Peixeira, freqüentador assíduo das casas de mulheres do Rio. Como ficou sabendo de minha solteirice, achou favor me indicar as melhores da cidade.
Com um ano e pouco de experiência um do outro, Malu e eu já ousávamos falar
- Casar-se com uma...
- Não termine a frase! – interrompi – não se esqueça que a senhora também é uma!
- Não me esqueço disso, meu caro – respondeu calmamente – nunca me esqueço de minha condição. Não falava disso. Mas é que ela é preta!
- E daí!
- Daí que um homem como você não devia ter como senhora de sua casa uma negra!
- Por que não? Um homem como eu?
- Parece que o senhor é daquele povo moderno. Desses que estão mandando aos montes ir embora do Brasil. Mas conheço a sociedade; e lhe digo uma coisa: quando te apontarem pelos salões ou pelas ruas, o senhor há de se lembrar de mim.
Creio que Margarida da Silva fazia de mim um juízo errado. Pensava que eu fosse um homem rico, importante, com representação social. E não a culpo por isso. A clientela de sua casa era justamente esta. Era inimaginável que um simples funcionário dos telégrafos tivesse dinheiro o bastante para visitas tão freqüentes àquele luxuoso lugar. E eu não tinha. O próprio Tião Peixeira ia ali, quando muito, uma vez por ano. Admitia publicamente – para os homens – que sabia das melhores casas cariocas. Mas que por uma condição de telégrafo com contas pra pagar, preferia sempre as mais baratas.
Além do dinheiro gasto nas minhas visitas à casa de Margarida da Silva agora eu reservava alguns trocados no fim do mês destinados ao resgate de Malu. A carta de alforria – pensei rindo sarcasticamente contando o dinheiro que já tinha juntado e verificado que ainda era pouco. Precisaria de pelo menos três anos para juntar o necessário.
Não me preocupei com o que me dissera a Margarida. Talvez não fosse direito um homem de posição social casar-se com uma prostituta negra. Mas eu era apenas um funcionário dos telégrafos! Mas no fundo concordava com a caftina. Um homem com muito dinheiro não quereria como senhora uma negra. Eu era, naquele momento, a única esperança de Malu.
Errei feio. Um certo dia, após dois meses de férias na Bahia, para visitar meus pais que não tinham notícia de minhas aventuras nas terras cariocas, fui informado de que Maria Luisa deixara o bordel de Margarida da Silva.
- Como assim?
Foi com muito alvoroço que a chefe da casa tentou me explicar seu engano. Malu, a negra, conquistara um homem ligado ao governo que, ironicamente, por uma indisposição – sem gravidez – de sua predileta, satisfez-se com a negra, que estava livre por conta de minha viagem. A moça deixou-me uma carta muito afetiva tentando explicar, mas que pra mim não bastava.
O caso teve repercussão política. Os militares não gostaram nada do envolvimento de um dos seus com “aquele tipo de gente”. Três meses depois o homem de Maria Luisa anunciava que ia à Europa, porque precisava de novos ares para o seu frágil pulmão. Extra-oficialmente sabia-se que ele tinha sido exilado “pacificamente” pelos seus amigos do poder.
- Diz alguma coisa, homem!
Maria Luisa estava bem vestida. Vestido europeu, suponho. Sapatos visivelmente caros. Vinha na companhia de uma moça, provavelmente porque não ficava bem visitar sozinha um homem solteiro. Ri internamente da suposição desta particularidade, imaginando se teria o figurão a idéia de quantas vezes fora eu ao quarto de Malu e ela ao meu. Olhei pro seu vestido, pros seus sapatos, pra sua bolsa de luxo. Olhei com bastante atenção para a bela moça que a acompanhava... Nem com dez anos juntando parte do meu salário de telégrafo eu poderia dar tudo aquilo a ela. Proferi a única coisa que arrumei para dizer-lhe:
- Seja feliz!
Fernando Lago Santos – 16 de Outubro de 2009