22 de fev. de 2010

Nada!

Ele estava sentado olhando pro nada, porque não tinha nada mais pra olhar naquele lugar, posto que ficava no meio do nada. É difícil de acreditar, mas em determinados momentos em que nada passa por nossa cabeça não há nada mais interessante do que o nada para contemplar. Ato filosófico. Pura e unicamente porque no nada só pode-se ver o nada. E o nada é fascinante.

Não fumava. Não comia. Não praticava ioga com os pés nas orelhas. Não mastigava um Trident de melancia nem revirava na boca uma balinha de maçã verde qualquer. Não cofiava o espaço ocupado há algumas horas por seu bigode, porque nada mais havia ali para cofiar – barbeara-se havia pouco. Não fazia nada. Só contemplava o nada. Pensando em nada e fazendo nada... E a filosofia desse ato ingenuamente sábio e completamente vazio era coisa que se encontrava apenas no nada.

Nada!

Ele olha o relógio. Passara três minutos. Um passarinho voou da cerca elétrica que estava desligada e, portanto nada causou ao corpo da ave. Um bando de periquitos silvestres e gritantes atravessou o céu avisando, pelos granares, que estavam passando. Isso já não existe em muitos lugares. E nós é que não temos nada!

Meio minuto mais! A bela moça se aproxima. O sorriso dela é no olhar. E no andar. E até mesmo no sorrir! Dá-lhe um peteleco e pergunta se não acha que está tarde demais para ele ficar ali na varanda. Dali a pouco escurecia e vinha sereno! Ele a olha com o nada restante do olhar, ora preenchido pelo reflexo da beleza da moça que poderia ser sua e diz:

“Que nada!”

Vives?


Vivo

Posso parecer que não

Quando caminho pelo mundo

Sete mesas, sete casas

Sete estender de mãos

A pedir

Todos me negam o direito

Mas vivo

De teimoso e insistente que eu sou


Tolo!

Por que teimas?

Se te querem para a morte

Nesta vida é a tua sorte

Morrer


Lutar

Minha sorte na vida é lutar

Morrer é o que querem pra mim

Mas luto

Sou viciado na teimosia

Sou viciado em dizer não

Às barbaridades que me tentam inculcar


Tu não sabes o que dizes...


(Janeiro de 2010 – Fernando Lago)


13 de fev. de 2010

Dó Sustenido Maior

Peguei na mão da menina

Puxei-a pro canto e em canto

Fez-se o encanto enquanto

Desfez-se toda a maldade

Mazelas da sociedade

Que invade a nossa caverna


É que meu coração hiberna

Adormece e fica parado

Sarado dessas loucas loucuras

Futuras, presentes

Coisas frias e ardentes

Que maltratam o coração


Passada a hibernação

Voltam, controlam

Assolam a mão e todo o corpo

E faz-me sair por aí

Segurando mãos de moças indefesas

Be-le-za!

Arrastando-as para diversos cantos

E em milhares de cantos

Em dó sustenido maior

Muito maior

Fica a minha vulnerabilidade à sua paixão


Fernando Lago Santos – Dezembro de 2009


12 de fev. de 2010

Pequeno texto escrito durante uma palestra não tão interessante...



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Acordou no meio da noite e resolveu dar uma volta lá fora, no calçadão da praça central. Era época de movimento na orla e não queria ficar no meio da folia dos turistas àquela noite. Calara-se o som dos trios elétricos. A gritaria dos gringos e sudestinos já cessara havia muito, apesar da hora ainda não estar assim tão avançada. Abriu a porta lentamente, a baforada da maresia veio em cheio de encontro ao seu rosto. Sempre gostara daquilo tudo. Ter uma paisagem tão maravilhosa ao seu dispor. Em menino achava que tudo aquilo era dele e imaginava que, se quisesse, poderia expulsar com uma palavra toda aquela baderna da beira do mar. Mas sempre fora um menino bonzinho.
Fernando Lago – Janeiro de 2010