29 de abr. de 2011

Esperar não é saber...



Deflagrada a greve pela Associação Docente da Universidade do Estado da Bahia (ADUNEB) – somando-se às outras quatro estaduais já em greve há cerca de uma semana, reacende-se a discussão acerca do ensino superior público em nosso estado e em nosso país. Qual a importância das universidades para a sociedade? Em que tem elas contribuído ao longo de todos esses anos? E, o principal de tudo, por que greve?

Levando-se em consideração os nossos mais de quinhentos e dez anos de história, universidade é uma coisa recente em nosso país. Sabemos que Dom João, durante sua estada na então colônia, foi bem “bondoso” trazendo para cá uma faculdade. No entanto, apenas muitos anos depois (1915) é que se organizou a primeira universidade na estrutura que conhecemos.

Importante diferenciarmos faculdade de universidade. Podemos dizer, grosso modo, que uma faculdade se ocupa com o ensino em áreas específicas, enquanto a universidade possui um projeto mais amplo, englobando o ensino, a pesquisa e a extensão como elementos indissociáveis, além de manter uma pluralidade de cursos e grupos de estudo e de pesquisa. Neste sentido, poderíamos dizer que se trata de um conjunto de faculdades, e de núcleos de atividades, visando formar não só pelo ensino, mas pela pesquisa e pela extensão.

A importância da universidade para a sociedade pode ser verificada através das demandas sociais que ela busca responder por meio dos três elementos indissociáveis que citei acima. Mantém, em geral, uma intensa produção científica por meio de grupos de pesquisa, projetos de extensão, programas sociais, parcerias com ONGs e movimentos sociais etc. Isto além de formação de profissionais de diversas áreas.

Especificamente no Departamento de Educação Campus X, localizado aqui em Teixeira de Freitas, podemos citar vários exemplos significativos de contribuição da Universidade do Estado da Bahia para a sociedade. Além da formação de diversos educadores, gestores educacionais e pesquisadores – vale citar que, entre os aprovados nos concursos públicos municipais da região, e mesmo no do estado, grande parte é de egressos da UNEB/DEDC X – temos também o funcionamento de vários programas e projetos de extensão, que mantém a universidade em contato com a comunidade. Apenas como exemplos, podemos citar o Alargando o Funil – pré-vestibular popular; o Projeto CEVITI, que atende a pessoas da terceira idade em diversas atividades culturais e artesanais; os projetos de estágio, monografia e pesquisas em parceria com várias organizações da sociedade civil, entre outros tantos.

No contexto atual, porém, especialmente em nosso estado, a universidade passa por diversas crises estruturais. Falta de professores, falta de funcionários, falta de recursos que auxiliem atividades de ensino, pesquisa e extensão e congelamento de salários e benefícios de professores e funcionários. É muito comum ouvir reclamações sobre as universidades estaduais, especialmente a UNEB – multicampi e presente em quase todo o estado – devido a essas demandas. É preciso compreender, neste sentido, que a greve, importante mecanismo de luta, se faz necessária para defender a manutenção da universidade, que corre risco de extinção diante do tratamento dado pelo poder público e pressionar a este para que atenda às demandas exigidas.

O estopim da greve deflagrada no último dia 27 é o decreto 12.583/2011, que estabelece medidas de contenção de gastos que prejudicam não só o funcionamento da universidade como de todo o serviço público. Soma-se a isto todas as demandas já existentes da pauta das associações docentes e discentes.

Se o discurso veiculado nos textos publicitários do governo é de que a Educação é importante, o professor precisa ser valorizado etc. etc. etc. é preciso que haja ações que o obriguem a enxergar que esse discurso bonito precisa também de práticas que o justifiquem. Dessa forma, mesmo que a greve prejudique a linearidade do calendário acadêmico, é preciso entender que a Educação será muito mais prejudicada em sua totalidade se não lutarmos para que seja enxergada pelos olhos das políticas públicas. A luta é por uma Educação (básica e superior) pública, gratuita e de qualidade.

Fernando Lago – Abril de 2011

* Este texto é de total responsabilidade do autor e não representa opinião oficial do movimento de greve.

16 de abr. de 2011

Política Interna


Ele a beijou com ardor e ficou contemplando seu belo rosto, contando suas quase invisíveis sardas e passando-lhe a mão pelo cabelo, num movimento impensado. Após alguns instantes nesse quadro que escapou ao Renascimento, ele lança a pergunta:

- Você teria coragem de namorar comigo?

Ela o olhou por alguns instantes e avançou o rosto ao encontro do dele. Bocas, olhos, nariz. Tudo se encontra, como em uma conferência de afagos dos sentidos. Após o beijo, o rosto dele continua interrogativo.

- Isto foi um sim?

- Não, isto foi um: “por que você acha que eu não teria coragem, seu bobo?”.

- Aaah!

- Aaah...

- Suponho que não tenha esquecido que, publicamente, nos odiamos.

- Sim, somos inimigos políticos...

- ... e que outro dia mesmo nos pegamos em um debate ferrenho no auditório da Universidade.

- Sim – riu a moça – nos pegamos em um debate ferrenho e, por um belo acaso, nos pegamos depois, mas em outras circunstâncias...

Ele também riu, contraditório:

- Estou falando sério, Amanda!

- Ah, Mateus, somos jovens! Podemos nos dar ao luxo de mudar de opinião de um dia pro outro! Eu não mudei de opinião sobre você, literalmente, da noite pro dia?

- Dormimos juntos, Amanda! É totalmente diferente! Agora quem é que vai entender se assim, do nada, de um dia pro outro, você passar pra Esquerda?

- Ou você pra Direita...

- Não, isso não...

- Ué, porque EU é que tenho que mudar de lado? Isso é machismo!

- Não é machismo, é consciência!

- Ah, tá! E eu não tenho consciência, então!

- É sério, amor! Eu não duraria um dia tendo que agüentar aquele bando de burgueses exploradores!

- E você acha que eu aguentaria por mais de um minuto aquela corja de baderneiros e maconhados que você chama de companheiros?

- Você é uma retrógrada!

- E você um arruaceiro!

Ficaram se olhando por um instante. Depois, desculparam-se sem palavras, com um beijo apolítico.

- Tenho uma solução – disse ela após alguns instantes.

- Diz.

- Vamos, nós dois, militar pelo partido de Centro.

Dez minutos depois, ainda não tinham conseguido reter as gargalhadas.

Fernando Lago – Abril de 2011

7 de abr. de 2011

A Revolta

O Leão descansava nos seus aposentos real-florestais quando foi despertado por um insuportável barulho na porta de seu palácio. Saiu para ver o que era e deparou-se com um tumultuado protesto de rãs que bradavam, em coro, vários coaxares de ordem contra o regime.

- Mas que estapafurdiagem é essa? Ninguém mais respeita a ordem nessa mata?

- Isto é um protesto! Estamos reivindicando melhores condições para a população anura do Lago Norte.

- E eu, que tenho a ver com isso? Não sou anfíbio, nem peixe, e nem moro no Lago Norte. Virem-se vocês!

- Pois não é o senhor o rei da floresta?

- Se sou! Eu que mando aqui!

- Pois que trate de cuidar das minorias, antes que entremos com um processo de impeachment contra o senhor!

- Vocês estão sonhando! Nem temos Supremo Tribunal por aqui!

- Pois então faremos uma greve!

- Que façam! – Bradou o Leão em bocejo, mostrando as enormes mandíbulas. – Agora chispem!

Depois de meses de greve, verificando que não surtiu o efeito revolucionário a que pretendiam, as rãs convocaram uma Assembléia Popular com diversos outros animais, angariando o apoio de alguns repteis, das zebras, dos veados e das hienas, que achavam a maior graça naquilo tudo. Ainda assim, o Leão não cedeu.

Não havendo outra saída, o comitê revolucionário convocou nova assembléia, onde foi deliberado que iam ocupar as portas do palácio até o Leão atendê-los. Vendo sua porta apinhada de bichos diversos, o Leão aceitou receber um representante dos grevistas em seu gabinete.

Os grevistas resolveram então contratar a elefanta, exímia negociadora da região. Uma lady, que com certeza teria argumentos superiores para convencer o Leão. A Elefanta (que também era conhecida como elefoa, embora sempre corrigisse, mostrando dicionários e gramáticas clássicas) adentrou a sala do rei, que a recebeu com uma imensa tromba. Não intimidada, foi logo esclarecendo:

- Olha aqui, eu sou uma profissional! É bem melhor o senhor parar pra pensar...

- Que parte da palavra Rei, essa bicharalha[1] não entendeu? EU mando aqui!

- O senhor precisa ser sensato...

- E a senhora precisa de um spa! Por que não dá uma corridinha na mata pra diminuir essa barriga, hein!

- Como é que é?

- Obesidade, dona Elefanta. Isso faz mal à saúde.

A elefanta, irritadíssima, puxou o Leão pela juba, deu-lhe umas patadas no meio das fuças e atirou-o pela janela dizendo:

- O senhor acaba de ser destronado.

MORAL: Nem um estadista tem o direito de chamar uma mulher de gorda.


Março de 2011

[1] O equivalente de “gentalha”, só que para os bichos.

1 de abr. de 2011

Entrevista com minha vida

Imagem: http://twixar.com/CsB80k1 (Blog Obsolescências)


A vida encontrou-se comigo no fundo de seus olhos
Ficamos lá
Papeando
Contando mentiras e inventando verdades recém desapocrifadas


E você
Como quase sempre, calada
Ouvindo os absurdos que dizíamos de mim
Paciência de Jó!
Sem querer mentir as desmentiras que falávamos
Mas sem revelar toda a verdade que maltrataria
Esse meu ego imundo


Não sei se disfarçava
Não senti nenhuma inundação no canto dos seus olhos
Em que eu e minha vida estávamos sentados
Não senti
Talvez a vida tenha sentido alguma coisa
Mas não me quis dizer
Hoje, quem vai saber?


Importa que a injustiça está desfeita
Percebemos que seus olhos não é sala de reuniões
Nem mesa de bar
Nem qualquer tribunal de mesquinharias para discutirmos sobre mim
Soubemos isso, ao sair dos seus olhos
E olhá-los com verdadeira atenção
Soubemos toda a verdade
E despedimo-nos, contritos
A vida e eu
Num conflito entre nós


Rompi a amizade com minha vida
Há dias que não nos falamos
Mandou-me uma carta desaforada, dizendo que seus olhos era o lugar certo para ela
Egoísta!


Mas sigo a vida, sem a vida
Com você ao meu lado
Vendo os seus olhos de fora
Da maneira que posso vê-los
E te pedindo desculpas
Por não tratá-los devidamente
Como templo de contemplação
Das verdades da Alma


Fernando Lago – Abril de 2011