Imagem: World Wide Web
- Oi! – disse o rapaz.
- Oi! – disse a menina
de cabelo enrolado.
- Queria te pedir
desculpas por aquela hora...
- Que hora?
- De manhã cedo, quando
eu te perguntei a hora.
- Você deve estar me
confundindo com alguém...
- Não estou nada! De
manhã, era umas sete e meia e eu te perguntei a hora e depois saí na
correria...
- Amigo, SÃO sete e
meia agora, se essa é mais uma daquelas cantadas idiotas que vocês usam com as
meninas na rua, saiba que eu não aprecio!
- Não, não é cantada
nenhuma não! Que horas você disse que são?
- Me poupe!
- Por favor, menina!
Estou falando sério!
A moça de cabelo
enrolado deve ter acreditado, porque em três segundos estava retirando o
celular da bolsa, abrindo o visor e preferindo os mesmos números que o nosso
rapaz ouvira há algumas horas atrás, quando era manhã e ele achava que devia
ser tarde.
- Você só pode estar
brincando, não é?
- Não, olha só, são
7:33 – disse a moça mostrando o visor do celular.
- Meu deus do céu!
- O senhor está
atrasado?
- De certa forma, estou
adiantado...
- Não estou
entendendo... O senhor está preocupado por estar adiantado?
- Você não
entenderia... Não precisa me chamar de senhor, não devemos ter mais de cinco
anos de diferença.
- Desculpa – sorriu a
moça de cabelo enrolado.
- É uma foto muito
bonita essa do celular.
- Obrigado, eu não saio
muito bem em fotos.
- É que as câmeras não
conseguem reproduzir fielmente tanta beleza.
A moça já tinha dito
que não gostava dessas cantadas, mas não conseguiu resistir a esta.
- Um prazer conhece-la,
tenho que apressar o passo. Você é realmente muito bela.
Entrou no conhecido
bar, olhou a hora no relógio de parede, sem perguntar nada ao dono do bar. Como
não tinha notado a presença daquele objeto de ponteiros ali? Seria muito mais
desesperador saber desde aquele momento que o problema não era nos celulares, e
sim em todos os relógios do mundo, mas pelo menos adiantaria a coisa toda.
Agora, ia muito mais além. Aparentemente o tempo parara, e apenas para ele. O
que estava acontecendo?
- Por favor, me serve
uma gelada aí. E nem quero saber de conselhos, sei que daqui a pouco vou entrar
no trabalho. Foda-se todo mundo!
Tomou a cerveja diante
dos olhares curiosos dos clientes fieis, daqueles que não faziam nada a não ser
beber o dia todo. Aliás, é fato curioso o leitor ainda não ter protestado
diante dessa situação de bares abertos às sete e trinta e sete da manhã. Mas
nesse país, como no nosso, apesar dos inúmeros problemas que se enfrentava,
sempre havia um trocadinho pra beber, fosse a hora que fosse. E os dois donos
de bar eram espertos o bastante para perceber isso.
Após terminar a cerveja
e pendurar na conta, lembremos que ele gozava de certo prestígio nesse bar
devido às noites em que ali gastava, seguiu em direção ao bar do homem de cara
amarrada. Já entrou gritando:
- Manda uma lora gelada
pra cá, que hoje o bicho vai pegar!
- Não é cedo demais para um rapaz
tão jovem beber? – disse o bêbado de antes, aquele que tinha sacado o celular
na primeira tarde que ainda era manhã.
- O que é que essa
bicha tá querendo, gente? – disse o rapaz, provocativo. Não tinha nada a
perder. Ou estava dormindo, ou estava louco. Em ambos os casos, não se
machucaria.
- Olha, olha, olha! O
franguinho quer caçar confusão, é?
- Franguinho? Daqui a
pouco mostro o pinto pra sua mãe.
- Ah, agora foi demais!
Eu vou quebrar a cara desse filho da puta!
- Eu não sou seu irmão!
Vem que eu to esperando, viado!
O bêbado avançou correndo
com um taco de sinuca na mão, o rapaz agarrou uma cadeira para se defender,
estavam prontos para entrar em confronto quando ouviram um disparo de pistola.
- Ninguém vai brigar
aqui não! - o homem de cara amarrada tinha agora a cara mais amarrada ainda – saiam
do meu bar agora, antes que eu meto bala no bucho de um aqui.
O rapaz saiu. O bêbado
atravessou para o outro lado da rua. Nenhum dos dois tinha ânimo para continuar
a contenda. Nesse instante o colega de trabalho parou o carro prata na porta do
bar, dizendo as mesmas coisas que disse antes.
- É, foi puta mesmo...
Tudo igualzinho. Mas
dessa vez mandou o supervisor tomar no cu mais cedo do que antes. Nem sequer
ligou para a empresa fornecedora, o próprio supervisor que ligou, sem muito
pestanejar. Quando deu a hora do almoço, lá estava ele na mesa 35. A mesma
proposta de antes, mas dessa vez sem deixar dúvidas:
- Em um mês, camarada,
em um mês você assumirá o cargo.
- Pode ser – disse o
nosso rapaz – se você consegue, qualquer idiota pode conseguir, não é?
O supervisor caiu na
risada. Como era bem humorado o futuro supervisor da nossa empresa!
Cinco horas, nem um
minuto a mais. Passados os quinze minutos, lá estava ela, a moça de cabelo
enrolado. Ele adiantou os passos, quase correu, parou à sua frente.
- Com licença, desculpa
interromper a sua linda caminhada assim dessa forma. Mas você poderia tirar o
seu celular da bolsa e confirmar pra mim se agora são 7:40 da manhã?
- Da noite é que não
podia ser – sorriu a moça.
- Você tem o sorriso
lindo.
- Obrigada – disse a
moça já com o celular na mão – o senhor errou, são 7:33.
- Ah, verdade! 7:40 era
no celular do dono do bar...
- Que dono, de que bar?
- Vem comigo que te
mostro.
E pegando familiarmente
na mão da moça de cabelo enrolado o rapaz caminhou até o bar em que era
conhecido. E naquele dia não foi trabalhar.
Fernando Lago - Julho de 2012