17 de jun. de 2010

A Memória e a Música


1 – De como comecei uma amizade com o velho Gonzaga

Foi no ano passado. Um dia de primeiras vezes. Primeira viagem universitária interestadual que eu fazia, a primeira vez que visitaria uma capital e a primeira vez que participaria de um Encontro Acadêmico numa universidade federal. Não tenho a menor vergonha de dizer que sou um caipirão à moda antiga. Não tenho vergonha, mas também não uso disso para me fazer de coitado. Sou pobre, nascido no interior do interior; mas assim muitos outros há. “Tantos Severinos, iguais em tudo e na sina.”

Mais de nove horas de viagem. Também era a primeira vez que fazia uma viagem tão longa. Meus limites eram São Mateus, ES do lado de cá e Porto Seguro, do lado de lá, de onde vim ainda pequeno. Mas isso não importa! Tantos outros têm limites tão menores, enquanto um bocadinho privilegiado tem limites tão largos que acham que nem tem limites... Mas, enfim!

Fomos de carro. Alguns outros foram de ônibus, mais tarde. Percurso longo, enfadonho, rodovia curvilínea. Bom mesmo é uma musiquinha, pra ajudar o veículo na sua comilança de estrada. Revirei o porta-CD’s da professora. Naquela longa jornada pudemos ouvir vários álbuns, mas dois deles marcaram muito e até hoje eu os escuto com muito prazer. Não sei explicar o porquê. Creio que os ouvi a ambos na volta. Talvez a saudade de casa, a emoção da viagem bem sucedida, o prazer de ter compartilhado com amigos tão queridos de uma quase-semana tão boa, tenham aumentado minha sensibilidade musico-sensorial e me proporcionado a memorização daquelas músicas. Especulação só! Não entendo patavina de psicologia!

Na ida, lembro de termos ouvido Pereira da viola, o CD ao vivo da banda Kid Abelha e uma coletânea de músicas de grandes cantoras como Adriana Calcanhoto, Ana Carolina e Marisa Monte. Mas pouco gravei destes. Até já tinha o DVD do Kid Abelha em casa, mas ouvia pouco. Ainda hoje só escuto de tempos em tempos... Não conhecia Pereira da Viola e confesso que não me lembro de nenhuma das músicas que ouvi na estrada... Não guardei nada dele, de forma que posso dizer que continuo não conhecendo o seu trabalho. Quanto à coletânea das nossas moças, eu já conhecia a maioria das músicas, então ouvi-las já trazia experiências de outras épocas e não fundou-se ali uma experiência nova através delas. Quero dizer que quando as ouço de novo, lembro de outras experiências e não necessariamente daquela.

O que me marcou mesmo foi o álbum Documento, de Raul Seixas e a Coletânea da Série Bis de Luiz Gonzaga, que escutamos na volta. O que eu conhecia do velho Gonzagão era o que todo mundo da minha idade conhecia. Algumas músicas isoladas, xotes, causos etc. nada muito concreto. Aquele momento, com todas as emoções acima citadas, com todas as primeiras vezes concretizadas, com a graça da capital mineira saindo das minhas narinas, com todos aqueles montes e planícies tão diferentes da paisagem eucaliptica das estradas do extremo sul baiano, parecia casar direitinho com a sanfona de Luiz Gonzaga e com a guitarra amalucada e o inglês abaianado de Raulzito. Talvez tenha sido esse o motivo de eu tê-las guardado em mim... Talvez. Não sei, porque como já disse não sou psicólogo e nem estudo nada da área. Tudo aqui vem da lábia do Censo Comum, o melhor amigo de Tertuliano Máximo Afonso, que de vez em quando me aparece por aqui também a dizer isto e aquilo outro.

Ao chegar em casa procurei ambos os discos na internet, com a desculpa de mostrar ao meu pai, que sempre gostou de ouvir os dois artistas. Achei Documento e outras coletâneas de Luiz Gonzaga, mas não a que eu queria. Seria um presente perfeito pro dia dos pais... Perfeito porque não era caro e era a cara do meu pai. Eu, quebrado e doido pra agradar ao velho, mas enrolado como fio de telefone. Passou a data, passou a idéia, mas não a vontade de achar o CD. Numa outra viagem, assim, sem nem pensar muito, entrei no Shopping Iguatemi, em Salvador, e acabei achando o bendito. Não era mais dia dos pais. Na verdade até o aniversário do velho já tinha passado. Mas comprei o CD assim mesmo. Pessoas especiais não precisam de datas pra ganhar presente. E além do mais, antes de entregar o CD a painho, tratei de salvar uma cópia em “Minhas Músicas”...

Toda vez que escuto as músicas de Luiz Gonzaga me vem á cabeça o percurso Teixeira – BH e tudo o que significou pra mim aquela viagem. Os cinco minutos de uma música podem comportar muito mais sentimentos do que se possa imaginar...

Fernando Lago – 15 de Junho de 2010

3 comentários:

  1. Eu não vivo sem música. Cada música me leva a um momento, a um fato da minha vida. Raul sempre me faz lembrar meu já falecido pai... a saudade que sinto dele cantando no quintal da casa dele...
    Pra cada música, um momento. E quando as ouço, parece que to vivendo aquilo de novo, é mágico.

    Gostei muito do post, assim como gosto muito de te ler.
    Beijos Nando

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  2. De cara me deparo com Mário Quintana!E depois com um belissimo texto sobre músicas!
    Gostei daqui!

    ;**

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  3. Nanda,
    sou suspeito pra falar em música né... é preciso eu estar muito triste pra não conseguir cantar. Aliás, nem tanto assim. Porque há músicas que ficaram marcadas por eu tê-las escutado num momento de profundo marasmo e o processo é o mesmo... aquela lembrança das coisas que a música traz.

    Thiara,
    Seja bem vinda ao meu cantinho virtual, muito mais organizado que os meus cantões da vida real.
    Abraço!

    Bleffe,
    isso foi um blefe?

    Abraço a todos, obrigado por comentarem!

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Pode se jogar, mas não esqueça a sua bóia, viu?