10 de nov. de 2010

No outro canto da cidade

Ilustração: McMillan Digital Art - Fonte: http://blog.estadao.com.br/blog/index.php?blog=1&m=20091016



Oito horas. O sol em Brasília já mostrava havia muito a sua cara e os seus esplêndidos raios já iluminavam os singulares edifícios da capital do Brasil. Mas Mônica não via nada disso. Estava em uma sala fechada, refrigerada por um ar condicionado, tomando um conhaque inglês acompanhada por um amigo de seu pai.

- É um Van Gogh? – Perguntou ele olhando pro quadro na parede atrás da moça. Ela virou-se a admirá-lo pela trocentésima vez.

- Autêntico! Meu pai arrematou numa época de vacas gordas.

Por mais que Pereira tentasse esconder, Mônica percebeu em sua testa uma ruga de estranheza, mas ele parecia não querer falar sobre o caso. Mônica não era curiosa a ponto de amofinar um interlocutor qualquer que fosse.

Também não teve tempo, porque Pereira tratou logo de puxar um assunto novo. Quando não se quer falar sobre alguma coisa o silêncio é um risco, e o melhor remédio é trazer um tema qualquer para evitá-lo.

- Seu pai vai demorar muito?

- Não, creio que não. Daqui a pouco está aí.

- Meu filho gosta muito dele... E da senhora também.

- Senhora? – riu Mônica – Por favor, Pereira, não quero ser chamada assim tão cedo...

- Me desculpa, é força do hábito!

- Pereira! – disse Marcos Rios entrando no espaçoso escritório. Vinha como sempre engravatado, bem penteado, sapatos brilhando, o falar mais galante do Distrito Federal.

- Como vai o nosso ilustre Valdinho no caminho para a câmara? – perguntou sentando-se.

- É mais difícil do que eu esperava. A gente precisa muito de seu apoio.

- Valdinho precisa de garra – corrigiu Mônica – o apoio de papai ele já tem. Modéstia à parte o meu pai pode abrir muitas portas. Marcos Rios já colocou muita gente naquela câmara. Mas se não houver atividade do lado do candidato, de que adianta? Já falei isso um zilhão de vezes pro seu filho. Ele tem que ir ao povo, se mostrar, se apresentar, pro povo conhecer ele antes da corrida começar...

- Você é quem devia ser candidata... – disse Marcos.

- Papai! – atalhou Mônica - Você sabe que só entendo de política como espectadora...
- Seu pai tem razão, Mônica! Valdinho diz a mesma coisa o tempo todo.

- Estão loucos, vocês três! Não estão em seu perfeito juízo. Eu não entendo nada de política!
- Ôh – fizeram os dois senhores com ar de quem não concordava.

- A conversa se envereda a um rumo que não me agrada muito. Se precisarem de mim, estarei na faculdade.

Levantou-se, beijou o pai, cumprimentou o Pereira e saiu.

- Essa menina! – fez Rios com os olhos cheios de orgulho paterno.

- Meu filho é louco por ela.

- Até que não seria má a idéia.

Essa frase fez Pereira sentir um fluído estranho, mas agradável atravessar suas entranhas. Na verdade, a idéia de uma união entre seu filho e a filha de Marcos Rios sempre lhe habitava os sonhos. Ouvir o próprio Marcos Rios dizer que era boa a idéia era como ter de Deus a confirmação do atendimento da prece.

- Que idéia? – fez ele, para ter certeza.

- Pense – falou Marcos entusiasmado – Mônica Rios, Deputada Federal. Não, não, não: Mônica Rios, Presidente da república! A primeira mulher a governar o Brasil!

- Ah, era essa idéia... – disse Pereira com uma contrariedade que Marcos não percebeu. Tamanho era o devaneio paterno.

* * * * * * * * * *

Oito horas da manhã. Mesmo dia, mesmo sol, mesmos raios, mesma cidade. (...) (Et cetera, et cetera)


(Fernando Lago Santos – 2006) 

Um comentário:

Pode se jogar, mas não esqueça a sua bóia, viu?