7 de nov. de 2011

Resgate



Lila deu um salto tão rápido quanto pôde, reunindo em torno de si todo o ar que conseguiu. Nunca fizera algo assim tão intenso, sentiu o ar lhe faltar nos pulmões, ficou com medo de desmaiar... Desceu muito rápido, cortando o vento frio da noite. Quase não era o suficiente. Ricardo teve sorte.

- Você é maluco? – disse Lila visivelmente irritada, visivelmente amedrontada, com o rosto encostado no do amigo – você não tem nada na cabeça? Está querendo me matar?

A despeito de ter escapado da morte há poucos segundos, Ricardo sorria, olhando os olhos da menina.

- De que você está rindo, seu imbecil!? Você não é nada leve! Quase mata nós dois. Nunca mais faça isso, ouviu?

- Você é humana, Lila. Muito humana... E é tão linda essa mancha vermelha na sua bochecha quando tem medo!

- Maluco!

Ela sentou-se voltada pro lado oposto. Ele encostou-se nela com carinho.

- Nem vem! – disse ela afastando-se.

- Desculpa, Lila!

- Você não tem juízo!

- Eu pensei que talvez conseguisse...

- Besteira! Você tinha razão, Ricardo. Eu não sou humana! Sou qualquer outra coisa, menos humana. Nunca mais tente fazer isso, entendeu? Você não pode voar!

- Você é especial, Lila...

- Sim, porque de alguma maneira inexplicável consigo manipular o ar e a gravidade ao redor de mim...

- Não por isso. Mas principalmente porque tem coragem de fazê-lo.

- Como assim?

- Supõe que todos os seres humanos pudessem...

- Ah, não começa isso de novo, Ricardo!

- Não, escuta. Supõe que todos os humanos, ou pelo menos um grupo significativo deles, tivessem a mesma capacidade que você tem.

- E daí? Todos voariam, visitariam seus amigos, parentes... iriam ao trabalho voando. O céu ia ser a mesma coisa do chão...

- Exatamente. Banalizariam essa coisa de voar... Ia ser tão normal que ninguém ia notar que estava voando... Mas não é bem aí que eu quero chegar.

- E aonde quer chegar?

- Veja bem, mesmo que todos soubessem voar isso não ia garantir que o fariam.

- Por que?

- Aquilo que eu te falei antes... A gente pensa, pensa, pensa... mas tem medo. Eu mesmo tenho medo de muita coisa.

- Pois pra mim é preciso ter muita coragem pra saltar de um prédio velho de cinco andares.

Riram juntos. Ricardo tocou as mãos da menina e começou a brincar com seus dedos.

- São iguais aos meus!

- Os seus são um pouco maiores.

- Não, palhaça. Estou falando que são de carne, osso, pele e tudo o que tem direito.

- E o que você queria encontrar aí?

- Sei lá, penas... – disse o menino rindo.

Ela riu também, e deixou sua cabeça cair no ombro dele, dizendo:

- Essa incerteza sobre quem sou acaba comigo... A moça que ficou comigo na fazenda depois do acidente me chamava de celeste. Ela dizia que eu devia ter vindo do céu.

- Talvez você seja um anjo... o meu anjo da guarda.

- Então eu sou anjo da guarda de meu próprio anjo da guarda...

Dessa vez foi ele que levou o rosto ao encontro do dela, com o biquinho adolescente pronto para a carícia. Mas recuou ao sentir os braços dela lhe apertando bem as costas.

- Pra garantir que você não vai pular de novo – disse ela rindo, antes de consumarem o beijo.

Setembro de 2011

Um comentário:

Pode se jogar, mas não esqueça a sua bóia, viu?