18 de fev. de 2012

O Conselho




Revelou naquele dia à amiga que estava apaixonado por uma outra amiga. Sabia que a amiga em questão apreciava sua companhia, mas daí a corresponder-lhe era esperar demais. A confidente estranhou que ele estivesse tão pessimista, afinal de contas a amiga do amigo – que era também sua amiga, nem era assim tão absurdamente bonita para lhe pregar um "não" de maneira tão cruel. Mas, de qualquer forma, não sabia se ele já tinha ouvido falar, mas corria as prosas por aí de que havia na cidade um certo conselheiro que sabia dar pitaco na vida de todo mundo. Negócio direito, testado e aprovado pelo primo do sobrinho do irmão da amiga da vizinha.

Mas o sujeito alegou que não era dessas coisas, e que iria pegar muito mal se ele fosse ao tal conselheiro, embora se sentisse verdadeiramente tentado a saber de uma opinião que não fosse à do seu próprio coração burro. Amiga fiel, a confidente logo se prontificou a ir ao famoso guru, contar a história tintim por tintim e arrancar um conselho que o amigo pudesse utilizar. Não tendo condições de negar, o amigo aceitou e aguardou o resultado.

Mal podia dormir de dores imaginárias de paixão. Depois de tanto aguardar, veio a ligação da amiga repassando ipsis litteris os dizeres do dotô:

“Como sua amiga está sempre contigo e aprecia a tua companhia, te afastas dela por pelo menos uns quinze dias, para ela sentir tua falta. Mas, atenção, nada de trapaças com o destino: afastar-se é afastar-se, sem meios termos e sem dar-lhe explicações. Ela, depois de muitas conclusões da própria cabeça, sentirá tua falta e há de te procurar e só então verificarás se ela é realmente digna de que te reveles apaixonado.”

O rapaz seguiu à risca a sugestão do conselheiro. Mas, já no quinto dia, tudo se revelou vão. Pela manhã, recebeu a notícia de que o objeto de seus sonhos platônicos tinha se suicidado deixando um bilhete em que revelava o sentimento de que seu amado – ele – se afastava e que se era assim, melhor era não viver. Consumatum est.

O que se seguiu foi uma festa de choro e culpa, por mais que se tentasse convencer as partes do contrário. O amigo achou que a culpa era dele, por ter seguido conselho tão absurdo, ao invés de continuar na companhia de sua amiga-amada. A amiga-confidente do amigo achou que a culpa era dela por ter sugerido, e mais, ter ido, e mais, ter transmitido as interpelações do jovem ao conselheiro, e mais, ter transmitido ao amigo as respostas do interpelado.

Quanto ao conselheiro, tomava um café enquanto lia o seu jornal matinal, comentando as manchetes mais interessantes:

- “Jovem suicida-se na Vila Nova”. Veja só que coisa, Maria! Uma pessoa tão moça se suicidar assim! Aposto que se tivesse se aconselhado comigo antes, a essa altura ainda estava viva...


Fernando Lago – Fevereiro de 2012

Um comentário:

  1. Um sorriso insiste em brincar em meu rosto, embora o final seja meio trágico, o sorriso insiste em permanecer! Rs

    A simplicidade com que o narrador teceu a história e o tom irônico e cômico do mesmo prendeu-me até as linhas finais...'gosti' muito! Belo filho Fernando Lago!

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Pode se jogar, mas não esqueça a sua bóia, viu?