28 de jul. de 2012

Tempus fugit (4)

            Última parte... 

- Oi! – disse o rapaz.

- Oi! – disse a menina de cabelo enrolado.

- Queria te pedir desculpas por aquela hora...

- Que hora?

- De manhã cedo, quando eu te perguntei a hora.

- Você deve estar me confundindo com alguém...

- Não estou nada! De manhã, era umas sete e meia e eu te perguntei a hora e depois saí na correria...

- Amigo, SÃO sete e meia agora, se essa é mais uma daquelas cantadas idiotas que vocês usam com as meninas na rua, saiba que eu não aprecio!

- Não, não é cantada nenhuma não! Que horas você disse que são?

- Me poupe!

- Por favor, menina! Estou falando sério!

A moça de cabelo enrolado deve ter acreditado, porque em três segundos estava retirando o celular da bolsa, abrindo o visor e preferindo os mesmos números que o nosso rapaz ouvira há algumas horas atrás, quando era manhã e ele achava que devia ser tarde.

- Você só pode estar brincando, não é?

- Não, olha só, são 7:33 – disse a moça mostrando o visor do celular.

- Meu deus do céu!

- O senhor está atrasado?

- De certa forma, estou adiantado...

- Não estou entendendo... O senhor está preocupado por estar adiantado?

- Você não entenderia... Não precisa me chamar de senhor, não devemos ter mais de cinco anos de diferença.

- Desculpa – sorriu a moça de cabelo enrolado.

- É uma foto muito bonita essa do celular.

- Obrigado, eu não saio muito bem em fotos.

- É que as câmeras não conseguem reproduzir fielmente tanta beleza.

A moça já tinha dito que não gostava dessas cantadas, mas não conseguiu resistir a esta.

- Um prazer conhece-la, tenho que apressar o passo. Você é realmente muito bela.

Entrou no conhecido bar, olhou a hora no relógio de parede, sem perguntar nada ao dono do bar. Como não tinha notado a presença daquele objeto de ponteiros ali? Seria muito mais desesperador saber desde aquele momento que o problema não era nos celulares, e sim em todos os relógios do mundo, mas pelo menos adiantaria a coisa toda. Agora, ia muito mais além. Aparentemente o tempo parara, e apenas para ele. O que estava acontecendo?

- Por favor, me serve uma gelada aí. E nem quero saber de conselhos, sei que daqui a pouco vou entrar no trabalho. Foda-se todo mundo!

Tomou a cerveja diante dos olhares curiosos dos clientes fieis, daqueles que não faziam nada a não ser beber o dia todo. Aliás, é fato curioso o leitor ainda não ter protestado diante dessa situação de bares abertos às sete e trinta e sete da manhã. Mas nesse país, como no nosso, apesar dos inúmeros problemas que se enfrentava, sempre havia um trocadinho pra beber, fosse a hora que fosse. E os dois donos de bar eram espertos o bastante para perceber isso.

Após terminar a cerveja e pendurar na conta, lembremos que ele gozava de certo prestígio nesse bar devido às noites em que ali gastava, seguiu em direção ao bar do homem de cara amarrada. Já entrou gritando:

- Manda uma lora gelada pra cá, que hoje o bicho vai pegar!

- Não é cedo demais para um rapaz tão jovem beber? – disse o bêbado de antes, aquele que tinha sacado o celular na primeira tarde que ainda era manhã.

- O que é que essa bicha tá querendo, gente? – disse o rapaz, provocativo. Não tinha nada a perder. Ou estava dormindo, ou estava louco. Em ambos os casos, não se machucaria.

- Olha, olha, olha! O franguinho quer caçar confusão, é?

- Franguinho? Daqui a pouco mostro o pinto pra sua mãe.

- Ah, agora foi demais! Eu vou quebrar a cara desse filho da puta!

- Eu não sou seu irmão! Vem que eu to esperando, viado!

O bêbado avançou correndo com um taco de sinuca na mão, o rapaz agarrou uma cadeira para se defender, estavam prontos para entrar em confronto quando ouviram um disparo de pistola.

- Ninguém vai brigar aqui não! - o homem de cara amarrada tinha agora a cara mais amarrada ainda – saiam do meu bar agora, antes que eu meto bala no bucho de um aqui.

O rapaz saiu. O bêbado atravessou para o outro lado da rua. Nenhum dos dois tinha ânimo para continuar a contenda. Nesse instante o colega de trabalho parou o carro prata na porta do bar, dizendo as mesmas coisas que disse antes.

- É, foi puta mesmo...

Tudo igualzinho. Mas dessa vez mandou o supervisor tomar no cu mais cedo do que antes. Nem sequer ligou para a empresa fornecedora, o próprio supervisor que ligou, sem muito pestanejar. Quando deu a hora do almoço, lá estava ele na mesa 35. A mesma proposta de antes, mas dessa vez sem deixar dúvidas:

- Em um mês, camarada, em um mês você assumirá o cargo.

- Pode ser – disse o nosso rapaz – se você consegue, qualquer idiota pode conseguir, não é?

O supervisor caiu na risada. Como era bem humorado o futuro supervisor da nossa empresa!

Cinco horas, nem um minuto a mais. Passados os quinze minutos, lá estava ela, a moça de cabelo enrolado. Ele adiantou os passos, quase correu, parou à sua frente.

- Com licença, desculpa interromper a sua linda caminhada assim dessa forma. Mas você poderia tirar o seu celular da bolsa e confirmar pra mim se agora são 7:40 da manhã?  

- Da noite é que não podia ser – sorriu a moça.

- Você tem o sorriso lindo.

- Obrigada – disse a moça já com o celular na mão – o senhor errou, são 7:33.

- Ah, verdade! 7:40 era no celular do dono do bar...

- Que dono, de que bar?

- Vem comigo que te mostro.

E pegando familiarmente na mão da moça de cabelo enrolado o rapaz caminhou até o bar em que era conhecido. E naquele dia não foi trabalhar.


Fernando Lago - Julho de 2012 

Um comentário:

  1. Eu gostei muito do seu conto. Fico feliz que tenha terminado. Agora posso começar a ler tudo do início sem pausas.
    Parabéns pelo texto.

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Pode se jogar, mas não esqueça a sua bóia, viu?