18 de mai. de 2009

A redenção de Saramago

Nunca li sequer um livro de José Saramago. É fato. Sei um bocado de coisa sobre ele. Que é patrício de Cabral, que é prêmio Nobel (“sou prêmio Nobel, e daí!”), que é um grande escritor, que é autor do Memorial do Convento e que não é novidade ver sua cara nos livros de Língua Portuguesa. Mas nunca li nenhum livro de Saramago. E não li por um motivo muito simples e que provavelmente é compartilhado por muitos outros brasileiros de vinte anos de idade: Preguiça.

Não só ela, mas principalmente ela. E isso não é privilégio de Saramago meu caro; não é nem privilégio de escritores portugueses. Aliás, gosto de Saramago; gosto dos portugueses. Mesmo sem conhecer o trabalho do lusitano virei admirador quando assisti uma entrevista dele num telejornal global, na época que eu assistia muito telejornal. A sutileza com que ele respondia às perguntas do repórter me fez achá-lo um homem realmente respeitável. Sem falar que os portugueses têm aquela ótima mania de falar correto, e de usar algumas expressões que, apesar de estarem contidas no vocabulário tupiniquim, você dificilmente vai ver um brasileiro usando. Mas tudo isso são admirações particulares que tenho pela terrinha. Meu senso literário é mais cruel.

Mas quando digo que não é privilégio de literatos portugueses é porque muitos brasileiros deram de cara com a minha preguiça antes de serem lidos. O principal deles foi Jorge Amado. Coitado! Ficava lá, na estante da biblioteca pedindo, implorando pra ser lido e eu dava uma olhada, analisava o volume, às vezes chegava até a ler a orelha, mas não passava disso. Quando lia algum livro de Língua Portuguesa e Literatura do ensino médio lia todos os trechos de obras, menos os de Jorge Amado e menos os de Saramago, lógico. Era uma birra tremenda, não conseguia ler nada do Jorge. Acontecia até de eu começar a ler alguma coisa sem saber de quem era a autoria e, não conseguindo chegar até o final, pensava: “Que texto, meu Deus! Vamos ver de quem é...” Aí quando via o nome de “AMADO, Jorge” no final suspirava: “Só podia ser”.

Quem me redimiu com o escritor ilheense foi uma professora, já no terceiro ano do ensino médio, da maneira mais humana possível: ela me obrigou a ler Gabriela, Cravo e Canela pra fazer um trabalho que valia a nota do último bimestre. Não deu outra, me apaixonei pela obra e, por livre e espontânea vontade, li outros dois livros de Jorge Amado. Ainda tem um bocado que devo ler, mas por enquanto tenho me dedicado muito à academia (sério!) e tenho lido muita literatura internacional. Deixa Amado pra daqui a alguns anos.

Quanto a Saramago, não chegou a ser uma birra irracional. A minha implicância com ele tinha um bom motivo além da preguiça. Acontece que eu sou um jovem antiquado, mais antiquado que Saramago provavelmente. Todos os trechos de livros que tentei ler de Saramago era aquela coisa bagunçada pra olhos literariamente conservadores como os meus. Sem travessão, sem pontuações de emoção, uma coisa quase inaceitável. No entanto, o homem é prêmio Nobel! Logo, eu mesmo considero a minha implicância como fruto de puro preconceito estético.

Mas nesta semana Saramago foi redimido.

Visitando o blog de um antigo professor aqui do campus X, o Prof. Msc. Moisés Augusto, famoso Professor Catatau, encontrei um link para o site da Fundação Saramago, o que me levou, depois de tantas idas e voltas, a visitar o blog O caderno de Saramago, onde encontrei um Saramago diferente do que eu imaginava. Gostei muito dos textos e adicionei o endereço do blog aos meus favoritos. A linguagem do portuga é de primeira e começo a admirá-lo muito mais do que antes. Essa admiração é muito saudável, porque se o admirasse antes seria simplesmente por ele ser prêmio Nobel. Como já sabia da história do prêmio antes e ainda assim mantive a marra, significa que agora o admiro com profunda sinceridade literária.

Quem diria! Depois de tantos anos de livros, um blogue (eles escrevem assim em Portugal) vem me redimir com um grande figurão da Literatura!

Estou me preparando para ler algum livro de Saramago. Obviamente preciso preparar o meu espírito, desfazer-me da minha concepção antiga sobre o que é estético e o que é torto numa produção textual. Só assim poderei ignorar a ausência de travessões, pontos e outras coisas no texto de Saramago, e então poderei dar atenção apenas à sua linguagem. Afinal de contas, pra ser prêmio Nobel de Literatura o cara deve ter de escrever alguma coisa de bom, não é mesmo?

Fernando Lago Santos – 18 de Maio de 2008


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