Valdomiro já não conseguia não pensar
Não sabia de onde lhe vinha aquele pessimismo que lhe invadia o ser ultimamente. Mas de uns tempos pra cá não conseguia se fixar
Vivia sozinho. O casamento nunca chegou à sua vida. Viu quase todos os seus amigos da escola casando, depois os da faculdade, depois, por fim, os companheiros mais jovens do bar. Mas não veio pra ele. O porquê ele ignorava. E também não tinha a mínima vontade de saber. Uma das posições que tomara quando completou trinta e cinco anos foi a de não preocupar-se mais em achar uma mulher para amar. Isso não obstante aos conselhos da mãe, com quem viveu até os quarenta, quando ela e seu pai se separaram. A velha preferiu mudar-se para o interior com uma filha mais velha advinda de outro casamento anterior à existência de Valdomiro, deixando filho e pai desamparados, sem mulher
No entanto, não foi a partir desta tragédia convencional que o nosso Valdomiro passou a esse comportamento medroso. Alguns anos depois veio a morte da mãe, mas também não foi por isso. Na verdade nem ele sabia o motivo. Mas ao sair de casa, temia que ocorresse um acidente no caminho. Que o carro se descontrolasse na Avenida Getúlio Vargas. Tinha medo que um motoqueiro maluco atravessasse na sua frente num sinal vermelho. Receava que o local para o qual se dirigia estivesse em chamas e todos os seus companheiros ali morrendo, sem que ele pudesse fazer nada.
Tinha poucos amigos. Alguns resistiram aos anos que decorreram depois da faculdade. Outros se foram sumindo pelo caminho. Alguns novatos chegaram como clientes que, agradecidos pelo bom atendimento no caixa número três do Banco do Brasil resolviam dar de esmola um pouco de sua amizade àquele velho à beira da aposentadoria. Mas temia que essas raras amizades se quebrassem. Ou que alguns destes amigos morressem assim de repente, como o seu velho pai.
Durante o trabalho no banco não tinha muito medo de ser assaltado, porque nestes treze anos em que serviu ao governo federal já tinha enfrentado três ou quatro assaltos à mão armada naquela agência. Temia incêndios, explosões, essas coisas cinematográficas que nunca tinha visto na vida real. Ao retornar a casa tinha medo que a encontrasse
O gerente do banco, que muito o considerava, veio certo dia ao seu encontro para saber o que acontecia que ele andava tão calado.
- Tenho passado uns maus bocados, só isso! Coisa minha!
O mesmo não disse à moça que lhe fazia companhia à noite, numa destas casas escusas que em toda cidade há.
- Ando com muito medo ultimamente, minha nega!
- Ora, meu dengo, por quê?
- Não sei. Acho que tenho medo de ter medo...
A moça não disse nada. Apenas soltou um grunhido de quem não sabe de nada da vida a não ser a velha técnica milenar da profissão. Grunhido claramente fingido, de quem não quer se meter nas coisas dos outros. Acabada a noite Valdomiro saiu de lá arrependido de ter falado à moça em tal preocupação. Mas olhando pros seus cinqüenta e cinco anos de homem solteiro, acabou saindo com uma conclusão. Nesta vida, somente as prostitutas saberão os mais ocultos segredos.
Fernando Lago Santos – 11 de Outubro de 2009
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Pode se jogar, mas não esqueça a sua bóia, viu?