In Memoriam A Ricardo Lago dos Santos
Dir-se-á por aí e por cá
Que mais um vagabundo se foi
Encerrou sua lida sofrida na terra
Recebeu da mão dos homens da lei
O que de fato mereceu
Dir-se-á por aí e por cá
Que a braveza e a ‘breveza’ da vida é atroz
Que os homens só cumprem aquilo que ela manda
E que na verdade
Eram maus
E mereciam castigo e paulada
Quem mandou?
Mexeram com quem e com que não deviam
A maldita!
Objeto de ódio e tesão
Tesão simbólico
Uma loucura mórbida e desesperada
Prazerosamente imbecil
E eu
Simples passante na vida
Vi o menino que corria comigo pela Rua da Bica
Que sabia, muito mais que eu, como subir num galho de árvore
Que tinha força e boa vontade divinas
Que muito mais que eu se dispunha ao trabalho pesado
Que tinha uma esperteza que superava todas as minhas qualidades
Que mentia, sonhando serem as coisas melhores que eram
Que brigava comigo, que fazia as pazes
Que encarava com irreverência as ordens postas do colégio
Que jogava bola tão ruim quanto eu
Que dormia e acordava cedo tradicionalmente
Eu, meus amigos
Vi esse menino ser seduzido pelas promessas falsas
Pelos falsos sonhos e se debandar pelo mundo de lá
Sem conhecer o mundo de cá
Dir-se-á por aí e por cá
Que ele tinha de ir
Que outros mais têm de ir
Que se deve dedetizar a terra
Limpá-la de raças inferiores
Dir-se-á que esses meninos
Tirados do seio de suas famílias
São culpados por todos os males da humanidade
A pobreza, a fome, é tudo coisa deles...
Mas eles não são causa, meus caros
Eles são conseqüência
Sim
Por que não hei de confessar?
Chorei por ele e choro.
Hão de me achar ridículo
Dirão por aí que chorei por um condenado
Mas nesse mundo nosso
Quem não é condenado?
E o meu choro hoje
Não é isoladamente por um número-primo
O ser humano por trás dos números estatísticos
Choro hoje porque as condições criadas estão estabelecidas
E não mudará com a morte do meu companheiro de aventuras infantis
Choro porque apesar do que dirão todos os noticiários policiais, ele não foi mais um corpo encontrado estendido no chão
Choro porque apesar do que dirão todos os comentários críticos
Ele e seu companheiro não são a causa de sua própria morte
Choro porque ele,
Meu companheiro de passeios de bicicleta
Faleceu em vão
Encarado pela sociedade como mais um
Vítima da desatenção
Do desprezo
Da marginalização.
E choro principalmente
Porque enquanto os nossos jovens morrem
Numa sociedade cada vez mais mantenedora do tráfico como meio de vida
(que na verdade é um meio de morte)
O dinheiro público e outros tantos dinheiros
Rolam e desenrolam nos bolsos e nas meias dos verdadeiros vagabundos desse país
Fernando Lago Santos – 30 de Novembro de 2009
Comovente, chocante! Infelizmente acabamos por banalizar trajédias semelhantes a estas, como se fosse apenas "mais um". Culpados? Não podemos assim considerar, pois interpretado por mim nas entrelinhas do seu texto, são vítimas! Infelizmente e com muito pesar que assistimos tantas injustiças, tanto roubo; de pizza a panetone, de mensalão a pé de meia!
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