16 de abr. de 2011

Política Interna


Ele a beijou com ardor e ficou contemplando seu belo rosto, contando suas quase invisíveis sardas e passando-lhe a mão pelo cabelo, num movimento impensado. Após alguns instantes nesse quadro que escapou ao Renascimento, ele lança a pergunta:

- Você teria coragem de namorar comigo?

Ela o olhou por alguns instantes e avançou o rosto ao encontro do dele. Bocas, olhos, nariz. Tudo se encontra, como em uma conferência de afagos dos sentidos. Após o beijo, o rosto dele continua interrogativo.

- Isto foi um sim?

- Não, isto foi um: “por que você acha que eu não teria coragem, seu bobo?”.

- Aaah!

- Aaah...

- Suponho que não tenha esquecido que, publicamente, nos odiamos.

- Sim, somos inimigos políticos...

- ... e que outro dia mesmo nos pegamos em um debate ferrenho no auditório da Universidade.

- Sim – riu a moça – nos pegamos em um debate ferrenho e, por um belo acaso, nos pegamos depois, mas em outras circunstâncias...

Ele também riu, contraditório:

- Estou falando sério, Amanda!

- Ah, Mateus, somos jovens! Podemos nos dar ao luxo de mudar de opinião de um dia pro outro! Eu não mudei de opinião sobre você, literalmente, da noite pro dia?

- Dormimos juntos, Amanda! É totalmente diferente! Agora quem é que vai entender se assim, do nada, de um dia pro outro, você passar pra Esquerda?

- Ou você pra Direita...

- Não, isso não...

- Ué, porque EU é que tenho que mudar de lado? Isso é machismo!

- Não é machismo, é consciência!

- Ah, tá! E eu não tenho consciência, então!

- É sério, amor! Eu não duraria um dia tendo que agüentar aquele bando de burgueses exploradores!

- E você acha que eu aguentaria por mais de um minuto aquela corja de baderneiros e maconhados que você chama de companheiros?

- Você é uma retrógrada!

- E você um arruaceiro!

Ficaram se olhando por um instante. Depois, desculparam-se sem palavras, com um beijo apolítico.

- Tenho uma solução – disse ela após alguns instantes.

- Diz.

- Vamos, nós dois, militar pelo partido de Centro.

Dez minutos depois, ainda não tinham conseguido reter as gargalhadas.

Fernando Lago – Abril de 2011

6 comentários:

  1. Muito interessante a maneira que você construi esse texto. A história permeando o amor que é entrecortado pela política. Parabéns!
    Belo texto!
    Sucesso!

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  2. Seus textos são deliciosos...

    Acostumei-me a degustá-los rs

    E isto que descreveu é uma bela política interna! Belo nó!!?

    Tem de haver uma ética do amor... rs

    beijocas-silenciosamente-gritantes

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  3. rsrs. Ta aí um ótimo jeito de resolver problemas xD
    Adorei o texto Fer, faz tempo que vim por aq.. Mas vejo que continuas, ou mais, ainda melhor, com seu incrível talento com as palavras.
    Parabéns.

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  4. Olá Fernando! (:
    Vim avisar que estou tendo muitos problemas com meu blog, por isso que estou com outro:

    http://segredosvelados.blogspot.com/

    Quando puder, da uma passadinha lá!
    Grande beijo
    Feliz Páscoa!

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  5. Hahaha, ótimo texto!
    E a solução encontrada ainda melhor!

    Me lembrou Eduardo e Mônica, mas não me pergunte porquê.
    "E quem um dia irá dizer Que existe razão Nas coisas feitas pelo coração? E quem irá dizer Que não existe razão!"

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  6. Olá fernando!
    Ótimo texto, que além de uma linguagem inteligente, usa um enredo que quase nos faz ver os personagens dialogando, e consegue expressar a arte de amar sem fronteira externa.
    Parabéns.
    Um abraço!

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Pode se jogar, mas não esqueça a sua bóia, viu?