Ele a beijou com ardor e ficou contemplando seu belo rosto, contando suas quase invisíveis sardas e passando-lhe a mão pelo cabelo, num movimento impensado. Após alguns instantes nesse quadro que escapou ao Renascimento, ele lança a pergunta:
- Você teria coragem de namorar comigo?
Ela o olhou por alguns instantes e avançou o rosto ao encontro do dele. Bocas, olhos, nariz. Tudo se encontra, como em uma conferência de afagos dos sentidos. Após o beijo, o rosto dele continua interrogativo.
- Isto foi um sim?
- Não, isto foi um: “por que você acha que eu não teria coragem, seu bobo?”.
- Aaah!
- Aaah...
- Suponho que não tenha esquecido que, publicamente, nos odiamos.
- Sim, somos inimigos políticos...
- ... e que outro dia mesmo nos pegamos em um debate ferrenho no auditório da Universidade.
- Sim – riu a moça – nos pegamos em um debate ferrenho e, por um belo acaso, nos pegamos depois, mas em outras circunstâncias...
Ele também riu, contraditório:
- Estou falando sério, Amanda!
- Ah, Mateus, somos jovens! Podemos nos dar ao luxo de mudar de opinião de um dia pro outro! Eu não mudei de opinião sobre você, literalmente, da noite pro dia?
- Dormimos juntos, Amanda! É totalmente diferente! Agora quem é que vai entender se assim, do nada, de um dia pro outro, você passar pra Esquerda?
- Ou você pra Direita...
- Não, isso não...
- Ué, porque EU é que tenho que mudar de lado? Isso é machismo!
- Não é machismo, é consciência!
- Ah, tá! E eu não tenho consciência, então!
- É sério, amor! Eu não duraria um dia tendo que agüentar aquele bando de burgueses exploradores!
- E você acha que eu aguentaria por mais de um minuto aquela corja de baderneiros e maconhados que você chama de companheiros?
- Você é uma retrógrada!
- E você um arruaceiro!
Ficaram se olhando por um instante. Depois, desculparam-se sem palavras, com um beijo apolítico.
- Tenho uma solução – disse ela após alguns instantes.
- Diz.
- Vamos, nós dois, militar pelo partido de Centro.
Dez minutos depois, ainda não tinham conseguido reter as gargalhadas.
Fernando Lago – Abril de 2011
Muito interessante a maneira que você construi esse texto. A história permeando o amor que é entrecortado pela política. Parabéns!
ResponderExcluirBelo texto!
Sucesso!
Seus textos são deliciosos...
ResponderExcluirAcostumei-me a degustá-los rs
E isto que descreveu é uma bela política interna! Belo nó!!?
Tem de haver uma ética do amor... rs
beijocas-silenciosamente-gritantes
rsrs. Ta aí um ótimo jeito de resolver problemas xD
ResponderExcluirAdorei o texto Fer, faz tempo que vim por aq.. Mas vejo que continuas, ou mais, ainda melhor, com seu incrível talento com as palavras.
Parabéns.
Olá Fernando! (:
ResponderExcluirVim avisar que estou tendo muitos problemas com meu blog, por isso que estou com outro:
http://segredosvelados.blogspot.com/
Quando puder, da uma passadinha lá!
Grande beijo
Feliz Páscoa!
Hahaha, ótimo texto!
ResponderExcluirE a solução encontrada ainda melhor!
Me lembrou Eduardo e Mônica, mas não me pergunte porquê.
"E quem um dia irá dizer Que existe razão Nas coisas feitas pelo coração? E quem irá dizer Que não existe razão!"
Olá fernando!
ResponderExcluirÓtimo texto, que além de uma linguagem inteligente, usa um enredo que quase nos faz ver os personagens dialogando, e consegue expressar a arte de amar sem fronteira externa.
Parabéns.
Um abraço!